12 - Sustentabilidade tarifária de energia elétrica
Por que o tema é considerado de alto risco
A prestação dos serviços públicos de energia elétrica exige tarifas que sejam sustentáveis economicamente, notadamente para o consumidor que o financia. Contudo, entre 2000 e 2022, o custo unitário da energia elétrica para a indústria brasileira aumentou 1.154% em reais, muito acima dos 291% do IPCA e dos 585% dos preços industriais no Brasil. Em dólares, o aumento foi de 344%, superando significativamente os aumentos de preços industriais observados nos Estados Unidos (52%) e na União Europeia (48%) no mesmo período. Esse encarecimento contínuo afeta diretamente a competitividade nacional e eleva os custos de produção, colocando o Brasil em desvantagem no cenário internacional1.
Um dos componentes do preço da energia elétrica refere-se a subsídios que financiam políticas públicas que devem corrigir falhas de mercado, tais como a de universalização do acesso à energia (Programa Luz para Todos) e de compensação de custos de geração de energia em regiões remotas não conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN). Contudo, atualmente, nem todos os subsídios justificam-se. É o caso daqueles destinados a incentivar o uso de fontes de energia renováveis, como solar e eólica, que se tornaram competitivas no mercado, e o uso do carvão mineral, fonte altamente poluente. Apenas em 2023, R$ 40,3 bilhões em subsídios foram incluídos nas tarifas de energia elétrica pagas pelos consumidores, conforme dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Figura 12.1 - Composição aproximada da tarifa de energia elétrica residencial.
Medidas paliativas de redução momentânea na tarifa geram impactos futuros, que elevam ainda mais o custo da energia. A ausência de uma política eficaz para mitigar os principais fatores que pressionam os preços tem encarecido as tarifas, sem gerar progressos significativos no enfrentamento das causas estruturais do problema. Esse cenário pode ampliar a percepção de uso político das tarifas, afetando a modicidade tarifária e atrasando soluções sustentáveis.
Além disso, a repetição de medidas ineficazes em momentos críticos, como na crise hídrica de 2021, agrava os impactos tarifários, aumentando o custo para os consumidores e reduzindo a competitividade da indústria nacional. Essa prática, aliada à falta de planejamento estratégico, compromete a sustentabilidade financeira do setor elétrico e faz com que o Brasil seja um dos países com mais alta tarifa de energia do mundo, apesar de seu potencial para gerar eletricidade a custo baixo.
O que o TCU encontrou
Nos últimos dois anos, o TCU realizou diversas fiscalizações que resultaram na constatação de riscos à garantia do fornecimento de energia elétrica a preços acessíveis.
O TCU identificou preferência do Estado por adotar medidas que buscam aliviar momentaneamente o preço da energia elétrica ao consumidor, mas que têm gerado compromissos futuros, com juros e aumento do preço final nos anos seguintes. Isso porque são medidas paliativas. Faltam medidas estruturais que busquem reduzir de modo consistente custos com geração, transmissão e encargos (Parcela A da tarifa) que são cobrados do consumidor final. Falta um plano estruturado com diretrizes e metas claras que busque a modicidade tarifária.
As fiscalizações do TCU constataram a repetição de medidas ineficazes durante crises hidroenergéticas, como a de 2021, com efeitos nos anos seguintes. A ausência de um plano estratégico de contingência leva à adoção de ações que não resolvem os problemas de forma sustentável e aumentam o impacto tarifário sobre a população.
Outro risco relevante se refere à falta de controle e avaliação sobre os impactos da abertura do mercado de energia. A inexistência de sistemática para avaliar os efeitos dessa abertura, especialmente em relação aos consumidores que migram para o mercado livre e aos que permanecem no mercado regulado, é uma das principais causas desse risco. Isso pode levar à sobrecontratação de energia pelas distribuidoras, com o encarecimento das tarifas reguladas.
Gráfico 12.2 - Participação do mercado livre e do mercado regulado no consumo de energia elétrica
O TCU constatou obtenção indevida de subsídios tarifários por meio de práticas como o fracionamento irregular de projetos que fazem parte de um mesmo empreendimento e a comercialização ilegal de energia ou créditos de energia em modelos de negócio como a “energia solar por assinatura”, em que consumidores do mercado regulado adquirem energia indiretamente de geradores. Apenas em 2023, é estimada a apropriação indevida de cerca de R$ 1,8 bilhão de subsídios em decorrência dessa modalidade de assinatura de energia.
A definição do preço para a venda de energia elétrica produzida pela Usina Nuclear de Angra 3 é outro ponto de atenção. Indefinições sobre os rumos do empreendimento, estimativas inconsistentes e premissas desatualizadas ou não realistas podem fazer com que o preço não seja competitivo, onerando o consumidor. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) fez estimativas com dados preliminares que poderiam corresponder a um encargo adicional de 2,9% nas tarifas de energia elétrica. O cálculo do impacto financeiro efetivo da Usina de Angra 3 depende de fornecimento de informações oficiais do BNDES, avaliação do MME e posterior aprovação pelo CNPE.
A celebração de acordos com o Paraguai sobre Itaipu Binacional tem colocado a redução do preço da energia elétrica no Brasil em segundo plano. As causas incluem o histórico de decisões políticas que priorizam outros interesses, como o permissivo dado ao Paraguai, em 2009, para consumir parte da energia devida ao Brasil; e o Acordo Internacional Brasil-Paraguai firmado em 2023, que optou por não reduzir a tarifa de Itaipu, apesar da quitação de 60% dos custos da usina. Não foram levadas em conta as projeções de consumo e oferta de energia, considerando a expansão da geração distribuída, a crise hidroenergética e a abertura de mercado. Esses acordos elevam o preço da energia para consumidores das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste.
Enfim, há sérios riscos de ineficácia e ineficiência da operação eletroenergética do setor elétrico. Entre as causas estão a carência de indicadores e metas relacionados aos objetivos da operação eletroenergética e a falta de transparência das decisões do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) quanto à ordem de acionamento das usinas geradoras de energia. Isso compromete a capacidade de o sistema elétrico agir de forma planejada e preventiva, eleva custos e reduz a segurança do fornecimento energético.
Em 2023, R$ 40,3 bilhões foram adicionados às tarifas de energia devido a subsídios, muitos dos quais não se justificam, como os incentivos ao carvão mineral e às fontes de energia solar e eólica, que hoje já se mostram competitivas no mercado.
O que precisa ser feito
O TCU recomendou que o governo federal elabore um plano estratégico de contingência para crises hidroenergéticas, com medidas de gestão e otimização de recursos. Recomendou, também, que o Ministério de Minas e Energia (MME) crie um plano para garantir a modicidade tarifária no setor elétrico, com indicadores, metas e projeções para o valor da tarifa em curto, médio e longo prazos.
Além disso, o TCU determinou ao MME e à Aneel a criação de um plano para estimar o impacto financeiro da migração de consumidores do mercado regulado para o mercado livre de energia, em que o consumidor pode escolher diretamente a empresa geradora de sua energia, e verificar a legalidade dessas migrações.
Quanto à comercialização ilegal de créditos de energia na micro e minigeração, o TCU exigiu que a Aneel apresente um plano de ação e finalize a tomada de subsídios para avaliar a regulamentação de “assinaturas solares”. O TCU determinou que a Aneel apresente plano de ação para o aprimoramento da regulamentação concernente ao fracionamento de empreendimentos.
O TCU também determinou que o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) justifique sua decisão sobre Angra 3 com base nos estudos de modicidade tarifária e custos de eventual abandono da construção dessa usina, além de estabelecer limites para que ineficiências ou atrasos não onerem os consumidores. O TCU ainda deliberou que o governo federal deve elaborar um plano para preparar o Governo Brasileiro para as negociações com o Paraguai destinadas à revisão das bases financeiras e da prestação de serviço de Itaipu contidas no Tratado de Itaipu, firmado em 1973.
Decisões recentes
Acórdãos 1.376/2022, 1.567/2022, 2.353/2023, 2.366/2023, 129/2024, 666/2024, 955/2024, 1.473/2024 e 1.878/2024, todos do Plenário do TCU.
Benefícios gerados pela atuação do TCU
Os benefícios gerados a partir dos trabalhos desenvolvidos ao longo desses dois anos envolvem o aumento da eficiência e da efetividade das providências governamentais adotadas para garantir o abastecimento eletroenergético com qualidade e a preços acessíveis. Estima-se um benefício potencial de R$ 34 bilhões em decorrência da economia de recursos resultante da não concessão de novos descontos pela Aneel a agentes econômicos, até que se estabeleçam critérios regulatórios que tornem eficaz o limite legal para que apenas empreendimentos de até 300.000 kW de potência injetada tenham direito aos descontos na produção de energia elétrica.
2 Disponível em: https://portalrelatorios.aneel.gov.br/luznatarifa/subsidiometro. Acesso em 7/11/2024.