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13 - Sustentabilidade do Setor de Petróleo e Gás Natural

Por que o tema é considerado de alto risco

O setor de petróleo e gás natural desempenha um papel estratégico na economia brasileira, contribuindo significativamente para o PIB industrial, a arrecadação governamental e a segurança energética nacional. No entanto, riscos estruturais emergentes colocam em xeque a sustentabilidade desse setor, podendo comprometer não apenas a autossuficiência energética, mas também os esforços para promover uma transição energética justa no Brasil.

Os desafios apresentados na última Lista de Alto Risco, publicada em 2022, estavam relacionados à abertura do mercado de combustíveis e gás natural. O cenário incluía possíveis interrupções no fornecimento de diesel e GLP, problemas críticos na infraestrutura de armazenagem, desalinhamento na regulação de estoques operacionais e barreiras à entrada de novos operadores devido ao domínio da Transpetro na logística. Embora esses riscos não tenham sido completamente afastados (ainda persistem desafios na agenda regulatória do gás natural e na infraestrutura de abastecimento), eles foram relativamente reduzidos pela atuação eficaz do Governo Federal e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) durante o período emergencial de 2022 (pós-pandemia e conflito Rússia-Ucrânia), pela criação do Comitê Setorial de Monitoramento do Suprimento Nacional de Combustíveis e pela implementação gradual de uma nova regulação para o gás natural.

Novos desafios surgidos recentemente, porém, levaram à deterioração significativa do cenário de sustentabilidade da indústria de petróleo e gás no país. Essa mudança de perspectiva foi motivada por uma confluência de fatores críticos: o iminente vencimento em massa das chamadas Manifestações Conjuntas[1] – celebradas entre Ministério de Minas e Energia (MME) e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), a ausência de novas autorizações de exploração e produção de petróleo e gás natural desde o início de 2023 e as crescentes dificuldades enfrentadas no licenciamento das atividades exploratórias.

Gráfico 13.1 - Oferta e demanda de petróleo no Brasil (mil barris por dia)

Figura - Composição aproximada da tarifa de energia elétrica residencial.
Fonte: Rystad - UCUBE e Curva de Produção da Petrobras - PE 2024-28+
Nota; A Petrobras considerou dois cenários de demanda conforme o ritmo de implementação de políticas para a transição energética e redução de impacto de mudanças climáticas. No cenário referencial, a demanda por petróleo no Brasil, que foi de 2,5 milhões de barris por dia (bpd) em 2022, deve alcançar 2,9 milhões de bpd em 2040 e permanecer próxima desse patamar até 2050. No cenário alternativo, essa demanda cai para 2,2 milhões de bpd em 2040 e para 2,0 milhões de bpd em 2050.

A evolução desses fatores é particularmente preocupante porque, diferentemente dos desafios anteriores que poderiam ser endereçados com ajustes regulatórios e de mercado, os novos riscos identificados têm potencial para causar danos estruturais de longo prazo à economia brasileira, com impactos que se estenderiam por décadas.

Assim, em ação de controle ainda em curso[2], foi identificado grave risco à sustentabilidade do setor de petróleo e gás natural brasileiro decorrente da potencial interrupção de investimentos em exploração e produção de petróleo e gás natural. Sem novas áreas exploratórias, projeções indicam que o Brasil poderá voltar a ser importador líquido de petróleo já em 2036, comprometendo sua segurança energética.

A situação é agravada pela expiração em breve das Manifestações Conjuntas em vigor, que autorizam a exploração no país. Sem a renovação dessas autorizações em tempo hábil, ou a emissão de novas, praticamente toda a oferta de áreas exploratórias será inviabilizada.

As dificuldades no licenciamento exploratório, especialmente em novas fronteiras como a Margem Equatorial e a Bacia de Pelotas, criam entraves adicionais à expansão da produção nacional. A interrupção dos investimentos em exploração e produção de petróleo e gás no Brasil, enquanto outras campanhas exploratórias[3] estão em pleno vigor no mundo, implicaria desmobilização da indústria instalada e saída de investimentos e empresas do país, com impactos em uma cadeia produtiva que responde por cerca de 17% do PIB industrial nacional.

Com isso, até R$ 7 trilhões em investimentos entre 2031 e 2050 podem deixar de vir para o Brasil, implicando perdas de arrecadação da ordem de R$ 4 trilhões até 2055, sem considerar perdas decorrentes dos impactos na Balança Comercial e demais efeitos macroeconômicos[4].

O que o TCU encontrou

Nesta edição da LAR, tem destaque, no quadro 13.1, um risco principal, e suas causas e efeitos, que exige a atenção do Tribunal e de gestores públicos.

Riscos que ameaçam a sustentabilidade tarifária de energia elétrica

O Tribunal de Contas da União (TCU) constatou um cenário crítico na oferta de novas áreas para exploração de petróleo e gás natural. Desde o final de 2022, deixaram de ser emitidas novas Manifestações Conjuntas, resultando na exclusão de 344 blocos exploratórios da Oferta Permanente[5] em 2024. Além disso, 99,7% das 404 áreas atualmente disponíveis para concessão terão suas Manifestações Conjuntas expiradas em julho de 2025. Restará apenas um bloco em oferta permanente, o que significa, na prática, ausência de atividades exploratórias no regime de concessão. No regime de partilha da produção, apenas cinco blocos possuem manifestações válidas, sendo que dois terão suas autorizações expiradas em março de 2025.

Essa situação é agravada pela lentidão excessiva nos procedimentos de licenciamento exploratório, especialmente em novas fronteiras, com casos que se arrastam por mais de dez anos sem conclusão. A demora no licenciamento impede o avanço de projetos estratégicos e contribui para a estagnação da oferta de áreas exploratórias, comprometendo a expansão da produção nacional.

Conforme indicado em processo específico[6], a atual abordagem na formulação de políticas públicas para a transição energética não está considerando o papel estratégico do setor de petróleo e gás para o financiamento do próprio processo de descarbonização da matriz energética brasileira. A interrupção precipitada e prematura da exploração de petróleo comprometeria não apenas a segurança energética nacional, mas também uma fonte essencial de recursos para investimentos em tecnologias limpas. Apenas em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PD&I), o setor destina cerca de R$ 1 bilhão por ano para pesquisas voltadas à energia renovável e à descarbonização.

Projeções da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE) indicam que, sem novos investimentos, o Brasil poderá voltar a ser importador líquido de petróleo já em 2036, gerando impactos significativos para a sociedade, tal como descrito no quadro de riscos. Além disso, deixar de produzir petróleo não resultará em uma redução substancial das emissões brasileiras de gases de efeito estufa, uma vez que o consumo interno de derivados continuará a crescer até 2050, conforme aponta a EPE. Em um setor considerado hard to abate[7], a demanda interna por combustíveis fósseis que não seja atendida pela produção doméstica terá de ser suprida por importações, agravando a dependência externa.

Portanto, é fundamental encontrar um compasso adequado para reduzir, de forma responsável, os investimentos em fontes fósseis. O chamado phasing down[8] da produção de petróleo e gás deve ser realizado com suporte em estudos de impacto e planejamento adequados, permitindo o desenvolvimento de novos vetores econômicos baseados em energia renovável. Isso possibilitará uma transição energética justa e equilibrada, que alie responsabilidade econômica, fiscal e social, sem comprometer o desenvolvimento sustentável do país.

Sem novas áreas exploratórias, o Brasil pode se tornar importador líquido de petróleo em 2036, comprometendo sua soberania energética e acumulando perdas de até R$ 4 trilhões em receitas governamentais até 2055.

O que precisa ser feito

Para minimizar o risco de redução drástica dos investimentos na cadeia industrial de exploração e produção de petróleo e gás natural, é fundamental que os órgãos responsáveis priorizem os seguintes pontos de atenção:

1. Aprimorar os procedimentos para renovação e emissão de Manifestações Conjuntas entre o MME e o MMA: garantir agilidade e eficiência nesse processo é essencial para evitar a paralisação das ofertas de áreas exploratórias. Além disso, devem ser desenvolvidas estratégias específicas para assegurar a continuidade da oferta de áreas em bacias com histórico de produção significativa.

2. Aperfeiçoar os procedimentos de licenciamento exploratório: Especial atenção deve ser dada às áreas de novas fronteiras, com vistas a tornar os processos mais rápidos e eficazes, reduzindo entraves que possam dificultar a exploração.

3. Fortalecer a coordenação entre órgãos governamentais: Promover uma integração mais efetiva entre as entidades envolvidas no planejamento e execução de políticas de exploração e produção é crucial para aumentar a eficiência e a coerência das ações governamentais nesse setor.

Em relação aos desafios identificados na edição anterior da LAR, é necessário que a ANP mantenha o monitoramento do abastecimento de combustíveis e acelere a execução da agenda regulatória do gás natural, e que o MME, por sua vez, atue para fortalecer a capacidade operacional da ANP, que enfrenta desafios como escassez de pessoal e aumento de atribuições regulatórias.

Todas essas medidas são indispensáveis para garantir a sustentabilidade e a competitividade da cadeia de petróleo e gás, promovendo o desenvolvimento contínuo desse setor estratégico.

Decisões recentes

Acórdãos 1.595/2023 e 817/2024, todos do Plenário do TCU.

Benefícios gerados pela atuação do TCU

A melhoria na governança do setor de petróleo e gás natural depende de ações coordenadas entre os órgãos responsáveis, com a contribuição de análises e recomendações do TCU que auxiliem a superar os desafios identificados. Entre os benefícios potenciais das medidas apresentadas estão:

1. Melhoria na interlocução interinstitucional: A articulação mais efetiva entre MME, MMA, ANP e demais entidades pode viabilizar soluções para agilizar a renovação e emissão de Manifestações Conjuntas, reduzindo o risco de paralisação das ofertas de áreas exploratórias e assegurando a continuidade da produção nacional.

2. Aperfeiçoamento dos processos de licenciamento exploratório: Procedimentos mais ágeis e eficazes, especialmente em novas fronteiras, podem minimizar obstáculos e trazer maior previsibilidade e eficiência às atividades de exploração e produção.

3. Fortalecimento da governança no setor de petróleo e gás: Uma maior integração e alinhamento entre os órgãos governamentais contribui para maior coerência nas decisões estratégicas e na execução das políticas públicas para a sociedade.

4. Promoção da sustentabilidade econômica e social: As ações implementadas podem reduzir os impactos econômicos e sociais de uma possível estagnação no setor, preservando receitas governamentais e estimulando novos vetores econômicos, especialmente em energias renováveis.

5. Garantia de segurança energética: A manutenção de investimentos e a continuidade das operações no setor ajudam a reduzir a dependência externa, prevenir a desmobilização industrial e fortalecer a resiliência diante de flutuações internacionais, assegurando o suprimento energético necessário para o país.

6. Contribuição para a transição energética planejada: Medidas bem estruturadas possibilitam migração gradativa e equilibrada de matrizes fósseis para novas soluções energéticas, em linha com os objetivos de descarbonização e desenvolvimento sustentável.

As mudanças necessárias exigem esforços integrados dos gestores responsáveis, sendo essencial a adoção de abordagens baseadas em estudos robustos e planejamento adequado. O TCU, ao apontar caminhos e destacar fragilidades no setor, desempenha um papel relevante para estimular as discussões e o aprimoramento das políticas públicas, cabendo a execução das medidas aos órgãos competentes.


1 Documentos oficiais assinados conjuntamente pelo MME e pelo MMA que autorizam a inclusão de áreas para exploração de petróleo e gás no portfólio da ANP, garantindo compatibilidade entre as políticas energéticas e ambientais.

2 TC 018.674/2024-0, de relatoria do Min. Jhonatan de Jesus.

3 Conjunto de atividades técnicas realizadas para identificar e avaliar reservas de petróleo e gás natural em uma área, incluindo estudos geológicos, geofísicos e perfuração de poços exploratórios.

4 EMPRESA DE PESQUISA ENERGÉTICA – EPE. O papel do setor de petróleo e gás natural na transição energética. Brasília: EPE, 2024. Disponível em: https://www.epe.gov.br/pt/publicacoes-dados-abertos/publicacoes/o-papel-do-setor-de-petroleo-e-gas-natural-na-transicao-energetica. Acesso em: 20 nov. 2024.

5 Mecanismo contínuo da ANP para disponibilização de áreas exploratórias e campos de petróleo e gás natural, permitindo manifestação de interesse e realização de licitação sob demanda.

6 Processo TC 020.606/2023-0, de relatoria do Min. Walton Alencar Rodrigues.

7 Expressão usada para descrever setores industriais em que a substituição de fontes de energia fóssil por fontes renováveis é tecnicamente difícil ou economicamente inviável no curto prazo, como cimento, aço e veículos de transporte de carga e de pessoas.

8 Termo em inglês que significa “redução gradual”, utilizado para descrever processos de transição planejados, como a diminuição progressiva da produção de petróleo e gás.
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