8 - Desenvolvimento do setor de mineração
Por que o tema é considerado de alto risco
O setor de mineração faturou R$ 248,2 bilhões em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), e contribuiu significativamente para o Produto Interno Bruto (PIB), respondendo por 32% do saldo da balança comercial brasileira nesse ano.
Em 2014, o TCU já havia identificado falhas no planejamento, na regulação e na fiscalização do setor de mineração, que resultavam em prejuízos na arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM), também denominada de royalties da mineração (pagamentos feitos à União, estados e municípios pela exploração de recursos minerais).
A criação da Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2017, que teve o objetivo de substituir o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e reestruturar a governança pública do setor minerário no Brasil, não foi suficiente para eliminar as falhas existentes.
Em 2018 foram novamente identificadas falhas na cobrança das receitas provenientes da CFEM e da Taxa Anual por Hectare (TAH) e, em 2020, foram constatadas deficiências na supervisão da emissão de guias de utilização, documento que permite a extração de substâncias minerais antes da concessão da lavra.
Gráfico 8.1 - Arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (R$ bilhões)
Em 2021, não havia marco regulatório específico para tratar a gestão de passivos ambientais nem instrumentos econômicos para a recuperação de minas abandonadas (sem um plano adequado de fechamento).
As falhas identificadas, assim como a falta de transparência e as deficiências apontadas na gestão de riscos e controles internos, expõem o setor de mineração a fraudes e corrupção, além de acarretarem prejuízos para o Brasil.
O TCU verificou que, nos últimos anos, não houve progresso significativo no tratamento das causas que levam aos riscos de perda de receita decorrente da exploração de recursos minerais e de demora excessiva na autorização e manutenção irregular de títulos de exploração mineral. Portanto, permanece a necessidade de contínuo acompanhamento desse tema pelo TCU.
O que o TCU encontrou
Nesta edição da LAR, o TCU destaca, no quadro 8.1, dois riscos principais ao desenvolvimento sustentável do setor de mineração.
Em fiscalizações realizadas nos últimos dois anos, o TCU constatou extrema precariedade na estrutura de recursos humanos, orçamentários e tecnológicos da ANM. O Tribunal concluiu que a agência não possui capacidade operacional suficiente para cumprir suas competências, impactando a sustentabilidade e a segurança do setor de mineração. Apesar disso, foram observados pequenos avanços no setor nesse período, como a autorização recente para a realização de concurso público destinado a preencher vagas existentes na ANM.
Em decisão de 2024, o Tribunal apontou problemas graves, como: elevado e persistente índice de sonegação da CFEM; fiscalizações insuficientes para coibir a sonegação; e grandes perdas de créditos de receitas de mineração (CFEM e TAH) em razão de decadência e prescrição.
Entre 2017 e 2022, 69,7% dos titulares de mais de 30 mil processos de concessão de lavra e de licenciamento para exploração de recursos minerais não pagaram espontaneamente a CFEM. O percentual médio de sonegação entre os 134 processos fiscalizados pela ANM, cujos titulares pagaram espontaneamente a CFEM, foi de 40,2%. Os dados representam perda de receita potencial da CFEM de até R$ 12,4 bilhões.
O TCU destacou que, em 2022, apenas 17 empresas de mineração foram fiscalizadas pela ANM. Isso aconteceu mesmo havendo mais de 39 mil processos relacionados à concessão de lavra, lavra garimpeira, licenciamento ou registro de extração, de acordo com o relatório de gestão e informações do Sistema Cadastro Mineiro (SCM).
Quanto às perdas de créditos minerários por decadência e prescrição, o TCU observou que, mesmo que a ANM consiga fiscalizar e detectar potencial sonegação, a agência não é capaz de concluir os processos de autuação e cobrança dentro dos prazos legais. Nesse sentido, as perdas de recursos foram de mais de R$ 4 bilhões entre 2017 e 2021. Além disso, havia cerca de R$ 20 bilhões em créditos lançados e pendentes de formalização, ou seja, em risco de serem prescritos. Os sistemas da ANM não permitem o acompanhamento da real produção mineral, ou seja, não é possível saber o quanto a agência deixa de arrecadar e o valor monetário submetido ao risco de decadência.
Em relação à outorga de títulos, a estratégia da ANM se desdobra em planos executivos específicos, mas sua execução enfrenta desafios devido à falta de recursos humanos e orçamentários. O TCU analisou, em 2024, o monitoramento feito pela alta gestão da agência e constatou que existem indicadores para acompanhar a demora excessiva na outorga de títulos, mas não há indicadores de fiscalização das condições legais para a manutenção desses títulos. Além disso, a maioria dos indicadores são novos, sem referências anteriores para avaliar o progresso e o desempenho das outorgas.
As auditorias do TCU indicaram progresso limitado quanto à resolução da morosidade na outorga e na manutenção irregular de títulos minerários. Entre 2017 e 2022, apenas 4.285 dos 13.556 processos que solicitavam consentimento do governo federal para extração de minério recolheram a CFEM, sugerindo que 68% dos títulos estavam inadimplentes ou irregulares.Em junho de 2024, havia aproximadamente 68 mil processos pendentes de análise.
Quanto aos planos de fechamento de mina, o TCU constatou que cerca de 800 minas no regime de concessão de lavra estavam com atividades paralisadas em 2024 e aguardavam análise da ANM há cerca de 14 anos, com 57% dos pedidos de suspensão temporária não analisados. Logo, não houve avaliação das condições de paralisação e manutenção do título minerário, o que compromete ainda mais a eficiência da regulação do setor.
Outro ponto crítico identificado pelo TCU no ano de 2023 foi o abuso de poder pela ANM na emissão de Guia de Utilização (GU), sem justificativa e análise técnica adequadas. O documento permite a extração de substâncias minerais antes da concessão de lavra. A ANM não conseguiu corrigir todas as irregularidades apontadas pelo TCU em 2020, priorizando mudanças que ainda permitem concessão além dos limites estabelecidos.
A falta de infraestrutura e de pessoal na ANM contribui para uma perda bilionária de arrecadação e facilita práticas de exploração mineral desordenadas, que colocam em risco a segurança de comunidades locais, a preservação do meio ambiente e o uso responsável dos recursos minerais.
O que precisa ser feito
O TCU determinou que a ANM:
- implemente monitoramento do desempenho da arrecadação, regulamentação dos procedimentos de fiscalização da CFEM;
- regulamente e uniformize os procedimentos de planejamento e de execução das fiscalizações da CFEM;
- identifique pagamentos vinculados a processos inativos;
- apresente plano de ação, com denominação dos responsáveis e prazos, para enfrentar os problemas do Sistema Nacional de Arrecadação, Receita e Cobrança (Sinarc), além de corrigir as falhas detectadas nas fiscalizações do TCU; e
- apresente plano de ação para adequar suas normas e procedimentos aos objetivos da guia de utilização quanto a excepcionalidade e quantidades extraídas e para condicionar a emissão das guias à prévia apresentação de licenciamento ambiental.
O TCU fez, ainda, recomendações à ANM para melhorar a identificação e o tratamento dos riscos de integridade, com controles internos mais eficazes e transparência quanto às fraquezas e ameaças existentes na agência. O TCU também destacou a necessidade de espaço físico exclusivo para a Comissão de Ética da ANM, com o objetivo de fortalecer a integridade da instituição.
Por fim, o TCU recomendou que a ANM:
- solicite ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) autorização para provimento de vagas, a fim de reduzir a falta de pessoal da agência;
- firme convênios com secretarias de fazendas estaduais e do Distrito Federal para obter acesso a notas fiscais eletrônicas, visando evitar perdas na arrecadação da CFEM; e
- formalize adesão ao Projeto de Protesto de Certidões da Dívida Ativa e ao Sistema de Inteligência Jurídica (Sapiens) da Advocacia-Geral da União (AGU), para maior efetividade na cobrança extrajudicial dos créditos minerários.
Decisões recentes
Acórdãos 1.368/2024 e 2.116/2024, todos do Plenário do TCU.
Benefícios gerados pela atuação do TCU
Entre os benefícios esperados da atuação do TCU, destaca-se a construção de indicadores que permitirão medir periodicamente, de forma objetiva, a adequação orçamentária e de recursos humanos e materiais para cumprir as atribuições da ANM.
O Tribunal espera aperfeiçoamento na gestão e nos procedimentos da arrecadação e fiscalização da CFEM e da TAH, dos processos de constituição e cobrança dos respectivos créditos e consequente redução da inadimplência e sonegação, evitando a decadência e prescrição desses créditos. Essas medidas podem promover o aumento da arrecadação das receitas minerárias, beneficiando a própria agência e os cofres da União, estados e municípios afetados pela atividade de mineração.
Com as medidas, a ANM poderá estruturar áreas essenciais, como a Ouvidoria e a Corregedoria, para garantir a ética e a integridade na autarquia.
Por fim, espera-se que o trabalho do TCU contribua para o aperfeiçoamento da gestão dos títulos minerários pela ANM, com foco no uso da guia de utilização dentro dos limites legais e na agilidade ao examinar relatórios finais de pesquisa e analisar requerimentos de concessão para extração mineral.