O TCU e o

Desenvolvimento Nacional

Contribuições para a administração pública

Previdência

O sistema de previdência pública brasileiro enfrenta problemas de dimensões proporcionais a sua magnitude e relevância econômico-fiscal, com enormes reflexos no desenvolvimento nacional e crescimento do país. Integram o sistema o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), os regimes próprios da União, dos estados e dos municípios (RPPSs), e as entidades fechadas de previdência complementar com patrocinadoras integrantes da Administração Pública federal.

Em 2021, o sistema protegeu mais de 31,5 milhões de pessoas, sendo 21,8 milhões de aposentados, 8,2 milhões de pensionistas, e 1,5 milhões de beneficiários de auxílios-doença, acidente e reclusão do RGPS.

Desde 1994, no entanto, o Tribunal de Contas da União (TCU) aponta para a insustentabilidade do sistema de previdência no Brasil. O mais recente panorama da previdência foi publicado no Acórdão 2.45½019-TCU-Plenário, de rela-toria do Min. Bruno Dantas, o qual constatou expressivo déficit no sistema. Em 2019, por meio da EC 103/2019, ocorreu significativa reforma do RGPS e do RPPS da União, a qual instituiu idade mínima para aposentadoria, aumentou o tempo mínimo de contribuição, alterou cálculo de benefícios, aumentou alíquotas de contribuição, e reduziu os valores de pensões por morte e de benefícios acumuláveis. Potenciais efeitos da reforma foram impactados pela redução na atividade econômica, e consequente diminuição na arrecadação, decorrente da pandemia de Covid-19, principalmente durante 2020.

Em 2021, o deficit financeiro total do sistema foi de R$ 379 bilhões, sendo composto da seguinte forma: R$ 247,3 bilhões do RGPS, R$ 78,4 bilhões do RPPS de estados e DF, R$ 48,1 bilhões do RPPS da União e R$ 5,3 bilhões do RPPS de municípios (os dados dos entes não são auditados pelo TCU). Em trabalho sobre a compensação previdenciária entre os regimes, o TCU constatou que o sistema de compensação previdenciária não se encontrava em pleno funcionamento; a existência de elevado estoque de requerimentos aguardando apreciação pelo INSS; e que o órgão possui baixa capacidade operacional, em termos de força de trabalho e procedimentos, para analisá-los de forma tempestiva.

Quando observado o valor presente dos deficits futuros do sistema, apesar das limitações de qualidade dessas projeções, é possível observar que o sistema de previdência no Brasil é um dos menos sustentáveis do mundo, o segundo maior entre os países emergentes e desenvolvidos analisados na publicação Monitor Fiscal de 2018 do Fundo Monetário Internacional (FMI). Apenas o deficit atuarial do RPPS da União está estimado em R$ 1,3 trilhão, valor que pode triplicar ao ser somado aos respectivos déficits atuariais de estados e municípios.

Considerando a relevância desses indicadores para avaliar a sustentabilidade e os riscos de liquidez e solvência do sistema de previdência, o Tribunal tem realizado auditorias de demonstrações financeiras do Fundo do Regime Geral de Previdência Social (FRGPS) e nas projeções previdenciárias, para dar segurança sobre a confiabilidade dos números. Devido à atuação do TCU, as demonstrações do FRGPS foram publicadas, pela primeira vez, em 2014, mesmo ano em que foi registrado, no Balanço Geral da União (BGU), o passivo atuarial do RPPS federal.

Na ótica da conformidade de pagamentos de benefícios do RGPS e do BPC, desde 2015, o Tribunal realiza fiscalizações anuais e contínuas para detectar, por meio de análise intensiva de dados, pagamentos indevidos. A partir daquele ano, foram identificados mais de R$ 9 bilhões em possíveis pagamentos indevidos de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Dezenas de milhares de benefícios foram regularizados e a governança e os controles do INSS foram aprimorados.

Quanto ao atendimento aos segurados, trabalhos realizados nos últimos dois anos constataram que o tempo para concessão dos benefícios administrados pelo INSS excedia o prazo legal e que a via de recurso administrativo, referente a esses benefícios, se mostrava demorada e menos atrativa do que a via de ação judicial.

Por fim, cabe mencionar o problema da judicialização de benefícios do INSS. Em 2021, mais de 13% dos benefícios foram concedidos com base em decisão judicial, o que representou16,4% da despesa do INSS com benefícios. Foram mais de R$ 116,1 bilhões em concessões judiciais, para uma despesa previdenciária de R$ 709,6 bilhões.


Propostas

  • Aprimorar a governança do sistema de previdência no Brasil, de modo a avaliar, de forma integrada, todos os regimes da União, de estados e de municípios, do setor público e privado, contributivos e não contributivos (Acórdão 2.451/2019-TCU-Plenário, relator Min. Bruno Dantas) e atuar nas principais fragilidades do sistema previdenciário (Acórdão 3.414/2014-TCU-Plenário, relator Min. Aroldo Cedraz).RGPS: desequilíbrio no financiamento das aposentadorias da clientela rural; projeções de envelhecimento da população brasileira; parâmetros de concessão de pensões por morte; e quantidade de isenções e reduções de alíquotas previdenciárias, com complexo sistema de compensação;
  • Ajustar os problemas de credibilidade das bases de dados da Previdência, Assistência Social e Trabalho (Acórdão 1.947/2019-TCU-Plenário, relator Min. Raimundo Carreiro). Encargos Financeiros da União com os militares: indefinição da classificação de características dos encargos com inativos como previdenciárias ou administrativas – em que medida a reforma e reserva se equiparam à atividade e inatividade por aposentadoria; equilíbrio operacional das pensões por morte; e déficit operacional e atuarial do regime.
  • Ajustar as demonstrações financeiras do FRGPS de modo a refletir adequadamente os valores de pagamentos indevidos e os valores relati-vos à compensação previdenciária com outros regimes (Acórdão 1.153/2021-TCU-Plenário, relator Min. Augusto Sherman Cavalcanti, em substituição ao Min. Bruno Dantas).
  • Criar instrumentos de governança e gestão das informações sobre a judicialização dos benefícios do INSS, contemplando dados sobre os peritos judiciais, as ações coletivas para alteração de regras de concessão de benefícios, o índice de provimento por espécie de benefício e as multas aplicadas à autarquia por atraso ou descumprimento de decisão judicial (Acórdão 2.894/2018-TCU-Plenário, relator Min. André Luis de Carvalho).
  • Adequar o monitoramento da situação dos requerimentos de benefícios em relações aos prazos máximos estabelecidos pela legislação (Acórdãos 1.968/2020 e 2.768/2020-TCU-Plenário, relator Min. Bruno Dantas).

Assistência

O combate à pobreza é a missão primeira da Assistência Social e uma questão urgente em um país onde 12 milhões de pessoas (5,7% da população) vivem na pobreza extrema, com menos de R$ 155,00 mensais, e 51 milhões (24,1% da população) vivem com até R$ 450,00, 43% do salário-mínimo, portanto, abaixo da linha de pobreza (Síntese de Indicadores Sociais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2021, p. 60).

A pobreza anda de mãos dadas com a desigualdade social, afetando, de forma diferente, diversos grupos populacionais. O Nordeste, que responde por 27,1% da população brasileira, contém 45,5% dos brasileiros pobres. Entre os pretos e os pardos, 31% são pobres, contra 15,1% entre os brancos. Seguindo a tendência internacional, a pobreza atinge, com mais força, as crianças e os adolescentes; 38,6% da população entre 0 e 14 anos estão abaixo da linha de pobreza, contra apenas 8,8% da população acima de 60 anos (IBGE, 2021, p. 63, p.66).

A pobreza compromete, em vários aspectos, o desenvolvimento nacional, ao excluir da economia amplo contingente de pessoas e dificultar a geração de riqueza suficiente para o crescimento do conjunto da sociedade. Mas, não é um problema apenas do Brasil. O tema é destaque na agenda internacional e consta dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), com metas de redução a ser perseguidas por todos os países.

A Assistência Social é reconhecida constitucionalmente como direito do cidadão e dever do Estado. Os estados e os municípios são encarregados das atividades de prestação direta dos serviços socioassistenciais por meio de equipamentos, como os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS), enquanto à União compete regular tais atividades, financiar e criar instrumentos de incentivo para o bom funcionamento do sistema de assistência social e financiar os principais programas de transferência de renda, como, por exemplo, o Auxílio Brasil e o BPC.

O Tribunal, preocupado com a sustentabilidade dos programas assistenciais, acompanha o crescimento da despesa e a reduzida capacidade de emancipação das famílias em relação aos programas de transferência de renda.

As despesas com o PBF/Auxílio Brasil aumentaram de R$ 3,79 bilhões, em 2004, para R$ 89,1 bilhões, em 2022 (orçamento aprovado para o Auxílio Brasil), em razão não só da inclusão de novas famílias beneficiárias no programa, mas também do aumento dos valores médios transferidos. Em 2004, havia 6,5 milhões de famílias recebendo o benefício médio de R$ 65,69 (PBF), passando, em 2022, para 18 milhões auferindo valor médio mensal de R$ 403,08 (Auxílio Brasil). O BPC atendeu 2,16 milhões de idosos e 2,58 milhões de pessoas com deficiência em dezembro de 2021, com o dispêndio total de R$ 63 bilhões naquele ano. Somando-se os dois programas, são quase 23 milhões de pessoas ou famílias alcançadas.

Pela importância social e pela materialidade que detém, pois o orçamento previsto para 2022 é em torno de R$ 160 bilhões, é objeto de acompanhamento sistemático pelo TCU desde 2015, e os eventuais erros e indícios de fraudes identificados são comunicados ao órgão gestor para apuração e providências, que incluem o cancelamento do benefício e a recuperação de valores pagos indevidamente.

Outra abordagem do TCU sobre esse assunto procura avaliar possíveis deficiências na gestão desses benefícios, cuja parte importante do processo de concessão está sob responsabilidade de terceiros externos ao Ministério da Cidadania: o INSS e a Secretaria de Previdência, no caso do BPC; os municípios e o DF, no caso do Auxílio Brasil. Assim, o TCU tem identificado problemas de tempestividade em ambos os casos: aumento do tempo médio de concessão de 78 dias, em 2015, para 311 dias, em 2020, para o BPC de pessoas com deficiência, e fila de 1,66 milhões de famílias no Bolsa Família, em abril de 2020.

Após os programas de transferência de renda, a segunda maior atuação da Assistência Social está na prestação de serviços socioassistenciais, por meio do Sistema Único de Assistência Social (a rede SUAS). Conforme Relatório de Gestão de 2020, o Ministério da Cidadania cofinanciou o funcionamento de 7,45 mil CRAS, o que corresponde a 88% das 8,4 mil unidades existentes no país.

A cobertura de atendimento atingiu 25,7 milhões de famílias em 5,5 mil municípios. São atendidas famílias e indivíduos ameaçados de violação de direitos (proteção social básica) e vítimas de violência física, sexual, negligência, abandono e maus-tratos (proteção social especial). Os valores destinados ao orçamento de 2020 para o SUAS foram de quase R$ 2,5 bilhões na esfera federal, repassados, em sua maioria, por transferência de fundo a fundo, a estados e municípios.

Fiscalizações realizadas pelo Tribunal em 2014 detectaram deficiências nos controles e nos processos de prestação de contas das transferências de fundo a fundo, riscos de desvios e baixo índice de eficiência das ações desenvolvidas. Somente 5,9% dos CRAS e 8,7% dos CREAS eram eficientes.

Destacam-se, ademais, três importantes linhas de atuação da assistência: a inclusão produtiva do público-alvo dos programas assistenciais; a segurança alimentar e nutricional, orientada para a inclusão socioprodutiva rural; a atenção à primeira infância, que vem ganhando, recentemente, mais visibilidade. São ações com o objetivo de garantir a dignidade do cidadão, a sustentabilidade dos programas e a quebra do ciclo de pobreza. Por meio da oferta de oportunidades e empregabilidade para as famílias mais pobres, busca-se incentivar a emancipação dos beneficiários dos programas de transferência de renda. Tem-se anunciado o acréscimo de investimento na primeira infância, com foco no desenvolvimento das crianças e na redução de pobreza nessa faixa etária. No conjunto, são iniciativas que visam a quebrar o ciclo intergeracional da pobreza e proporcionar a chamada “porta de saída”.

Por fim, cabe destacar dois pontos importantes para o tema. O primeiro aponta para a necessidade de desenvolvimento, pelo governo brasileiro, mediante as tendências internacionais, de novos indicadores de mensuração de pobreza, de caráter multidimensional, a fim de aprimorar a delimitação de futuros programas sociais e as aferições dos resultados alcançados pelos atuais programas sobre a pobreza.

O segundo refere-se ao aprimoramento do Cadastro Único de Benefícios Sociais. Utilizado para concessão dos benefícios do PBF e do BPC, tal cadastro é organizado pelas secretarias municipais de modo auto-declaratório. Isso significa que a renda empregada no cálculo dos benefícios é informada pelo beneficiário sem outra forma de aferição, com grande risco de fraudes e erros nas bases dos programas. Com efeito, o acompanhamento realizado pelo TCU sobre o auxílio emergencial identificou indícios de concessão indevida a 8,2 milhões de pessoas e 6,5 milhões de mulheres provedoras de famílias monoparentais, decorrentes, em grande parte, da insuficiência de controles sobre critérios legais, referentes à composição familiar, no cadastro de benefícios assistenciais.


Propostas

  • Identificar ações e indicadores que possam auxiliar e incentivar a emancipação dos beneficiários do PBF (Acórdão 2.382/2014-TCU-Plenário, relator ministro Augusto Sherman).
  • Incentivar os CRAS e os CREAS a buscar maior eficiência de atuação (Acórdão 2.382/2014-TCU-Plenário, relator ministro Augusto Sherman).
  • Aprimorar os controles sobre os benefícios concedidos do PBF, principalmente os relativos aos dados de registros dos indivíduos e aos critérios de elegibilidade do programa (Acórdão 1.009/2016-TCU-Plenário, relator ministro Weder de Oliveira).
  • Aperfeiçoar o processo de prestação de contas dos recursos de assistência social transferidos fundo a fundo para estados e municípios (Acórdão 310/2015-TCU-Plenário, relator ministro Augusto Sherman).
  • Revisar e aprimorar as fontes de informação associadas e o esboço dos principais indicadores da função Assistência Social (Acórdão 1.254/2014-TCU-Plenário, relator ministro Augusto Sherman).
  • Aperfeiçoar os macroprocessos realizados pela Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS), em especial os relativos ao controle dos CRAS e ao BPC (Acórdão 362/2014-TCU-Plenário, relator ministro Augusto Sherman).
  • Implantar o sistema integrado de dados de que trata o artigo 12 da Emenda Constitucional 103/2019 e mitigar fragilidades nos critérios de autodeclaração de composição familiar, endereços e renda, para recebimento de benefícios assistenciais, de modo a reduzir os pagamentos indevidos. Em complemento, instituir medidas de recuperação desses pagamentos (Acórdão 3.142/2021-TCU-Plenário, relator ministro Bruno Dantas).
  • Referente ao BPC, apresentar avaliação financeira e atuarial dessas despesas, com vistas a garantir a sua transparência e sustentabilidade; aperfeiçoar procedimentos administrativos, avaliações sociais e perícias médicas, de modo a tornar a análise das requisições mais ágil, racional e econômica e, por conseguinte, reduzir o tempo de espera dos solicitantes e a quantidade de ações judiciais. (Acórdãos 1.435/2020 e 2.298/2020-TCU-Plenário, relator ministro Marcos Bemquerer Costa).
Top