Implementação do projeto de identificação civil nacional
Em 2017, por meio da Lei 13.444, foi criada a Identificação Civil Nacional (ICN), que visa à identificação do brasileiro em suas relações com o Estado e com a iniciativa privada, de forma a possibilitar o acesso do cidadão a serviços públicos e privados prestados na forma digital.
A implementação da ICN é conduzida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em etapas estabelecidas em acordo de cooperação técnica com a Secretaria-Geral da Presidência da República e o Ministério da Economia. O Poder Executivo também representa o principal serviço usuário da ICN, a plataforma GOV.BR, ao utilizar serviços de autenticação.
Diante das mudanças no processo de identificação civil brasileiro e dos riscos inerentes a um projeto de tal envergadura, o TCU realizou, em 2021, acompanhamento para avaliar a implementação da ICN.
O que o TCU encontrou?
O acompanhamento foi realizado na iniciativa em curso e identificou riscos associados aos seguintes aspectos:
- Financiamento: o fundo previsto na Lei 13.444/2017 (FICN) não foi operacionalizado, fazendo que a iniciativa venha sendo financiada, majoritariamente, pelo orçamento ordinário da Justiça Eleitoral;
- Eficiência dos serviços de identificação e autenticação: a inserção de pessoa natural no banco de dados contém fila de processamento de 21 dias, e o serviço de autenticação biométrica (índice de match) apresenta valores que podem comprometer a experiência do usuário;
- Atualização do banco de dados da ICN (BDICN): provida por outras bases de dados, como CPF e registros de cartórios, a ICN ainda não dispõe de rotinas de atualização de seus dados conforme as bases primárias de dados;
- Mapeamento de vulneráveis: há estimativa de cerca de 3 milhões de pessoas sem registro civil, porta de entrada para a identificação pessoal;
- Planejamento do TSE precisa ser harmonizado com ações da ICN: Por ser conduzidas com recursos orçamentários do TSE, as ações necessárias para implantação da ICN precisam estar previstas no planejamento do TSE, especialmente no Plano Diretor de Tecnologia da Informação e da Comunicação do órgão;
- Governança do TSE: as instâncias de governança interna do TSE precisam ser estruturas de decisão importantes para o andamento consistente da ICN. Para tanto, os riscos identificados nos setores operacionais precisam ser levados aos responsáveis pela decisão de forma tempestiva;
- Priorização dos serviços da ICN: dadas as limitações atuais no provimento dos serviços da ICN, foi estabelecida prioridade para os estados que fornecessem bancos de dados biométricos a ser incorporados à ICN, o que pode dificultar o uso pelos demais estados;
- Estimativa de demanda dos serviços: a contratação do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro) como operador de TI foi feita com estimativas frágeis dos quantitativos dos serviços;
- Gestão de consentimento: exigência da Lei 13.709/2018 (LGPD), a ICN ainda não dispõe de módulo de gestão de consentimento para aquiescência dos usuários em relação ao uso de seus dados pessoais em serviços a serem providos ao setor privado;
- Gestão de incidentes: por ser uma política pública complexa, envolvendo vários atores e fontes de informação para atendimento das demandas de usuários de setores público e privado, será necessário mapear o fluxo de processos sobre as responsabilidades dos atores de suporte e sustentação.
Por que esses achados são relevantes?
O financiamento da ICN concorre com as demais iniciativas da Justiça Eleitoral e disputa espaço orçamentário sob o teto de gastos daquele ramo do Poder Judiciário, podendo ter sua prioridade reduzida em futuras gestões.
O sucesso da iniciativa, considerando a governança, a eficiência na utilização da biometria, o provimento de serviços pelo operador de TI e a atualização das bases de dados que a compõem, possibilitará a concepção de ferramenta que permitirá reconhecer a pessoa natural nos diversos cadastros do setor público, reduzindo abusos em programas sociais e na identificação criminal, pelas duplicidades hoje existentes.
Além disso, viabiliza, com maior eficiência, a utilização de serviços digitais pelos setores público e privado, reduzindo custos da sociedade, especialmente dos cidadãos de maior vulnerabilidade econômica.
O que precisa ser feito?
Foi encaminhada aos gestores a listagem de 19 riscos à implementação da ICN com explicações sobre os seus impactos. Para isso, foram utilizados critérios legais e de boas práticas, a exemplo do compêndio Identification for Development – ID4D, do Banco Mundial, e das normas ISO.
Os gestores indicaram sua percepção sobre os riscos, ao decidirem quanto a respectiva forma de tratamento: aceitá-los, mitigá-los, evitá-los ou transferi-los. A gestão dos riscos para os quais foram indicadas medidas de tratamento será acompanhada nas demais etapas da fiscalização.
Para tanto, foi determinado o envio periódico de informações e documentos relacionados ao andamento das ações que compõem a ICN.
Decisões recentes
Acórdão 1.453/2022-TCU-Plenário, de relatoria do ministro Vital do Rêgo.