Governança e gestão do fundo de defesa da economia cafeeira
O TCU realizou, entre abril e setembro de 2021, auditoria, com o objetivo de avaliar a governança e a gestão do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (Funcafé), para compreender como ocorre a tomada de decisão de investimentos e verificar se o Funcafé atinge os objetivos para os quais foi criado. O trabalho decorreu do Acórdão 588/2018-TCU-Plenário, que recomendou fiscalização nos fundos constantes do Orçamento-Geral da União, considerando o alto volume e o risco associados a esses recursos públicos.
O que o TCU encontrou?
Na fiscalização, o Tribunal encontrou os seguintes problemas:
- Não existe uma metodologia estabelecida, baseada em critérios objetivos, para a definição dos valores que serão alocados nas diferentes linhas de crédito a cada ano-safra.
- Quase a totalidade dos recursos do Funcafé (99,24%) foi destinada a financiamento no período de 2013 a 2021. Com isso, foi gasto apenas 0,15% dos recursos em pesquisa e capacitação, valores que sofreram redução sistemática ao longo desse período. Além disso, desde 2015, não há gastos do Fundo em promoção e propaganda do café brasileiro.
- Não existe planejamento estratégico de médio e longo prazo para o Funcafé, bem como não há metas e indicadores de eficiência, eficácia e efetividade.
- Nos últimos 5 anos-safras, 36,3% dos recursos do Funcafé ficaram ociosos, isto é, não chegaram aos beneficiários finais. Essa situação também onera o orçamento público, tendo em vista a previsão de remuneração pela taxa Selic, enquanto os recursos permanecem na Conta Única da União.
Gráfico - Distribuição dos Recursos do Funcafé do ano-safra 2016/2017 a 2020/2021
Fonte: Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (Mapa), elaborado pelo TCU. - O Decreto 94.874/1987, que regulamenta o Funcafé, apresenta dispositivos que não são coerentes com a realidade atual da agricultura e do setor cafeeiro, além de citar órgãos e entidades que não mais se relacionam com a política pública.
- Foram identificadas diversas inconsistências nas informações constantes entre o Sistema Funcafé e o Sicor, no período de 1º/1/2018 a 31/12/2020. Parte dos registros de operações do Funcafé carece de correlação com os financiamentos contratados pelos beneficiários do fundo através do Sicor.
Por que esses achados são relevantes?
O setor cafeeiro, desde 1986, dispõe do Funcafé para investimentos em pesquisa, custeio, estocagem, financiamento para aquisição de café e capital de giro a cooperativas, industriais e exportadores. A partir de 2016, esse Fundo passou a contar com orçamento anual acima de R$ 5 bilhões e, para a safra de 2020, obteve o orçamento recorde de R$ 5,71 bilhões, demonstrando a sua materialidade e relevância. Ao longo dos anos, no entanto, o Fundo passou a concentrar seus recursos majoritariamente em financiamentos (99,24%, de 2013 a 2021), alocando parte ínfima dos recursos em pesquisa, capacitação e propaganda do café brasileiro.
Nesse sentido, a presente auditoria identificou que há disfunções na gestão e na governança do Funcafé, especificamente na tomada de decisão de investimentos e distribuição dos recursos, nos mecanismos de planejamento e controle, na transparência e na prestação de contas, no marco legal e no atendimento efetivo do público-alvo do Fundo.
O que precisa ser feito?
Foi determinado ao Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento (MAPA) que divulgue, de forma periódica, transparente, acessível e atualizada, as informações relevantes do Funcafé, protegida a informação sigilosa e pessoal, contendo, no mínimo: atas das reuniões do Conselho Deliberativo de Política do Café e de seu comitê técnico; dados das receitas recebidas; detalhamento da execução orçamentária por destinação; valores desembolsados às instituições financeiras e recebidos pelos beneficiários finais, consoante o disposto nos artigos 6º e 8º da Lei de Acesso à Informação (LAI).
Ademais, recomendou-se ao MAPA que: a) publique normativo, regulamentando metodologia de cálculo para distribuição dos recursos do Funcafé nas diferentes linhas de crédito a cada ano-safra; b) publique plano estratégico para o Funcafé alinhado com os objetivos estratégicos do Ministério; c) publique, anualmente, plano com metas e indicadores de desempenho precisos, claros e mensuráveis e que compreendam as várias dimensões do desempenho, como eficiência, eficácia, efetividade e economicidade para a gestão do Funcafé; d) proponha à Casa Civil da Presidência da República a revisão da norma que regulamenta o Funcafé, atualizando, em especial, as destinações de recursos, as competências e as responsabilidades sobre o Fundo; e) promova a integração de dados das operações contratadas do sistema que gerencia o Funcafé no MAPA com o sistema de registro das operações no Banco Central do Brasil, de forma a evitar a inserção e a manutenção das mesmas informações em ambos os sistemas.
No que diz respeito à política de investimentos em pesquisa e inovação do Funcafé, decidiu-se por informar ao MAPA e ao Conselho Deliberativo da Política do Café que, atualmente, o Funcafé aplica quase a totalidade dos recursos em financiamento, em detrimento de outras possíveis destinações legais, como pesquisa, capacitação e promoção e publicidade do café brasileiro.
Também foi informada à Secretaria do Tesouro Nacional a existência de recursos ociosos no Funcafé, para fins de desvinculação dos superávits financeiros dos exercícios vindouros do Fundo, nos termos da Emenda Constitucional 109/2021.
Por fim, informou-se à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional da ineficiência do uso de recursos públicos pelo Funcafé, uma vez que, nos últimos 5 anos-safras, em média, 36,3% do orçamento não alcançou os beneficiários finais do Fundo.
Decisões recentes
Acórdão 1.585/2022-TCU-Plenário, de relatoria do ministro Marcos Bemquerer. (TC-012.887/2021-8).