AUDITORIA OPERACIONAL NA POLÍTICA TARIFÁRIA DO SETOR ELÉTRICO

Contextualização

A energia elétrica é um bem essencial na sociedade moderna e é utilizada amplamente por toda a população.

Tarifas caras têm efeito imediato na vida do cidadão, eminentemente o mais pobre. O custo da energia elétrica é um dos itens preponderantes na economia brasileira e tem impacto direto e indireto no orçamento das famílias. Somente no mercado regulado de energia, atualmente há 86 milhões de unidades consumidoras. Nesse mercado, o faturamento anual alcança R$ 200 bilhões.

Identificou-se crescimento de 351% no preço da energia elétrica dos consumidores regulados entre os anos de 2001 e 2020, que ultrapassa os 230% da inflação oficial ocorrida no mesmo período. As tarifas de energia elétrica no Brasil, principalmente a residencial, estão entre as mais elevadas do mundo e estão no mesmo patamar das praticadas em países ricos, apesar da renda média da população brasileira ser inferior à desses países.

Concluiu-se que a tarifa residencial brasileira é elevada se comparada a outros países, seja quando considerado o valor nominal, a métrica da paridade de poder de compra, ou o impacto na renda média das famílias. Já a tarifa industrial brasileira, mantem-se em patamar intermediário quando comparada à praticada nos demais países, apesar das condições favoráveis para a geração no Brasil (que possibilitaria uma geração competitiva com diversas fontes como hidrelétricas, eólicas, solar, e até com gás natural do pré-sal). Portanto, a atuação estatal não tem conseguido fazer com que essas condições propícias auxiliem de forma significativa a competitividade do País.

Além disso, a disponibilidade/universalidade do fornecimento de energia relaciona-se intimamente aos princípios constitucionais de segunda e terceira geração, como a qualidade de vida e a dignidade humana.

O volume de recursos fiscalizado supera os R$ 211 bilhões, tomando por base a soma dos valores que todos os consumidores do ambiente de contratação regulada pagaram às respectivas distribuidoras, no ano de 2020. De acordo com o Relator, qualquer aumento, nesse montante, impacta diretamente a inflação, em efeito cascata em todo o setor produtivo. Também não se questiona que os patamares dos valores de energia afetam de modo desigual o poder de compra das famílias, com impacto social relevante. Faz-se inegável que o custo de energia integra os diversos desafios para a maior competitividade do país.

Estruturação da governança e gestão

A política tarifária do setor elétrico envolve a atuação de diversos órgãos. Sua implementação conta com órgãos setoriais como o Ministério de Minas e Energia (MME), o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) e a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) além do Ministério da Economia, a quem incumbe o planejamento do governo federal no que tange ao aumento da produtividade, emprego e competitividade.

Os principais atores envolvidos na política tarifária são: o CNPE, que congrega representantes de diversos setores governamentais, a quem cabe o estabelecimento de políticas nacionais de energia e medidas específicas destinadas a, dentre outras, cumprir os objetivos das políticas nacionais para aproveitamento racional das fontes de energia, dentre os quais se incluem competitividade do país e proteção dos interesses dos consumidores quanto a preço e qualidade, com atribuição para emitir diretrizes ao setor elétrico; o MME, na qualidade de pasta ministerial responsável pelo desenvolvimento de ações estruturantes de longo prazo, análise e acompanhamento das propostas de normatização do setor, acompanhamento e avaliação das políticas setoriais e supervisão da agência reguladora, além de participação na formulação de políticas relacionadas ao setor elétrico, ao meio ambiente e aos recursos hídricos; e a Aneel, que edita normas regulamentadoras, celebra e adita contratos de concessão em nome da União, homologa reajustes e efetua revisões tarifárias ordinárias e extraordinárias.

Como órgãos competentes, o CNPE tem o poder-dever de estabelecer diretrizes, princípios e objetivos para a política tarifária e o MME tem o poder-dever para estruturar, formalizar e institucionalizar a política tarifária do setor elétrico, de acordo com as diretrizes princípios e objetivos estabelecidos pelo CNPE e outros normativos, definindo, por sua vez, metas e indicadores de forma a buscar a modicidade tarifária, que é um requisito do serviço público adequado e pressuposto do atendimento ao princípio constitucional da defesa do consumidor. Entretanto, em consequência do não desenvolvimento da governança integral para a política tarifária, o CNPE, o MME, a Aneel e o Congresso Nacional têm adotado medidas pontuais, não coordenadas e muitas vezes com baixa sustentabilidade.

Observa-se que a política tarifária do setor elétrico, como implementada, reduz a extensão do princípio da modicidade tarifária, ao não prever mecanismos formalizados e institucionalizados para sua persecução, não possui diretrizes nem objetivos claros, caracterizando uma baixa maturidade da governança, o que resulta em iniciativas dispersas e descoordenadas entre os agentes públicos, que geralmente tem efeitos positivos no curto prazo para um determinado grupo e, no médio e longo prazo, podem impactar negativamente as tarifas.

O QUE O TCU FISCALIZOU

O TCU avaliou a existência, a efetividade e a coerência da política tarifária do setor elétrico brasileiro.

As análises envolveram um conjunto de iniciativas e decisões governamentais adotadas entre os anos 2013 e 2021, com efeitos nas tarifas de energia dos consumidores do mercado regulado.

O objetivo foi apurar se as iniciativas voltadas para a modicidade tarifária cumprem requisitos mínimos da boa política pública, como as tarifas se apresentam frente aos valores praticados internacionalmente, quais são as perspectivas de sustentabilidade dessas tarifas no longo prazo, as causas do atual patamar das tarifas no país e quais são as principais dificuldades para reduzir esse patamar.

Para a realização do trabalho, foram utilizadas técnicas de auditoria constantes do Manual de Auditoria Operacional do TCU. Destaca-se a realização de dois painéis de referência com gestores e especialistas externos e envio de relatório preliminar para comentários dos gestores, cujas contribuições foram incorporadas no relatório final.

Volume de recursos fiscalizados

R$ 211 bilhões (valor referente ao faturamento global das concessionárias de distribuição no ambiente de contratação regulada, no ano de 2020).

O QUE O TCU ENCONTROU

Identificou-se a falta de diretrizes, de princípios norteadores e de objetivos claros para a política tarifária do setor elétrico, além de metas formais e de indicadores que permitam que essa política seja adequadamente avaliada. A ausência desses elementos tem prejudicado o alcance da modicidade das tarifas, conforme exigido pela Lei 8.987/1995 e pelo marco legal do setor. A modicidade tarifária vem sendo tratada apenas como uma mera consequência, direta ou indireta, da aplicação de mecanismos de mercado, de regras regulatórias e de ações diversas do Executivo e do Congresso Nacional. Assim, a ausência de um planejamento estruturado da política tarifária tem prejudicado a execução e o êxito de iniciativas que tentam promover modicidade.

Identificou-se também que, nos últimos 20 anos, a tarifa de energia elétrica cresceu acima da inflação oficial, não refletindo o potencial do País de gerar energia elétrica a preço baixo, conforme se vê no gráfico a seguir:

Gráfico: Tarifa média incluindo tributos e bandeiras tarifárias, comparada com o IPCA

Gráfico: Tarifa média incluindo tributos e bandeiras tarifárias, comparada com o IPCA

Fonte: elaboração própria a partir de dados da Aneel

A tarifa residencial, à época da auditoria, era uma das mais caras do mundo, em especial quando se comparava o poder de compra de cada país. A tarifa industrial, em face dos elevados valores, prejudicava a competitividade da indústria nacional. As razões do elevado patamar da tarifa vão além da elevada carga de tributos e encargos que incidem sobre o setor elétrico. Várias delas são reflexo direto de medidas e escolhas que tiveram e continuarão tendo impacto bilionário nas faturas de energia nos próximos anos, como o ato de transferir o risco hidrológico para o consumidor (mais de R$70 bilhões de reais entre 2015 e julho de 2021).

Quadro: Principais causas do elevado patamar das tarifas nos últimos anos

Causa Impacto/Efeito estimado
Tributos e encargos R$ 79 bilhões/ano
Pagamento de indenização de ativos de transmissão R$ 72 bilhões (decorrentes da MP 579/2013, parcelados até 2028)
Repasse do risco hidrológico ao consumidor em decorrência da MP 688/2015 R$ 70 bilhões acumulados (até julho de 2021), variando entre R$ 4,2 bilhões em 2016 (ano com menor valor repassado) e R$ 17,9 bilhões em 2017 (ano com maior valor repassado, com a ressalva de que não havia dados completos para 2021 durante a execução da auditoria)
Não realização de leilões em 2012 em decorrência da renovação das concessões próximas do vencimento Exposição involuntária das distribuidoras no mercado de curto prazo e necessidade de assunção de empréstimo (Conta-ACR) de R$ 21 bilhões para cobrir os gastos extras em virtude de crise hídrica que elevou o preço de curto prazo
Aumento do custo da energia da UHE Itaipu (variação cambial) R$ 21 bilhões acumulados (período 2014-2019)
Criação da Conta-Covid Postergação de R$ 14,8 bilhões de aumentos tarifários em 2020
Aumento tarifários Elevação da tarifa para a coletividade em virtude da concessão de benefícios a grupos específicos prescindindo de estudos aprofundados ou estimativas de impacto.
Redução do mercado consumidor regulado Aumento da tarifa por dois motivos básicos: 1- rateio de custos por menos consumidores; 2- aumento de subsídios a fontes incentivadas, uma vez que, até certo patamar de carga, a migração para o mercado livre fica é motivada por contratação de fontes incentivadas pelo migrante.
Garantias físicas superdimensionadas e contratação de energia de reserva Não há estimativa para o impacto total, que inclua os gastos com energia de reserva, que levem em consideração a degradação da segurança do sistema.
Fonte: Equipe de fiscalização.

Com a falta de uma política eficaz para reduzir custos que têm pressionado o preço final da energia, o Estado passou a adotar medidas paliativas, como empréstimos e diferimentos de reajustes que serão pagos pelo consumidor. Também foi identificado um crescimento na quantidade de diferimentos de reajustes tarifários. Ambas medidas têm um efeito redutor momentâneo em um determinado reajuste tarifário, mas que criam compromissos de custos ainda maiores para exercícios futuros e postergam a resolução do problema.

O que precisa ser feito

A auditoria operacional para avaliar a política tarifária no setor elétrico foi apreciada pelo Acórdão 1.376/2022-TCU-Plenário, em 15/6/2022. Na deliberação, o TCU recomendou ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) que estabeleça, de forma estruturada e coerente com os demais princípios regulatórios intitulados no artigo 6º, §1, da Lei 8.987/1995, bem como com as demais políticas governamentais, diretrizes e objetivos claros e definidos para a política tarifária do setor elétrico. Além disso, recomendou ao MME que: a) elabore plano estruturado para modicidade tarifária do setor elétrico, que contemple, entre outros aspectos, indicadores e metas, projeções para o valor da tarifa e levantamento de fatores de risco para o valor da energia no curto, médio e longo prazos; b) inclua no plano estruturado citado um programa sistematizado de monitoramento e avaliação da política tarifária.

Por fim, recomendou à Aneel que, ao realizar medidas de diferimento de custos para próximos reajustes tarifários, também realize análises de impactos futuros e de custo-benefício do atraso.

Dentre os benefícios esperados, cita-se a melhoria na governança e nas ações visando a modicidade tarifária, bem como o aumento da qualidade da deliberação por parte da Diretoria Colegiada da Aneel ao homologar reajustes de tarifas, além de dar transparência e favorecer o controle social sobre os atos de reajuste.

Quais os próximos passos

A implementação das recomendações do Acórdão 1.376/2022- TCU-Plenário está sendo monitorada no âmbito do TC 012.641/2022-7.

Dados técnicos

Relator TC Unidade Responsável Acórdão
Ministro Benjamin Zymler 014.282/2021-6 AudElétrica/
SecexEnergia
1.376/2022-TCU-Plenário
Sessão de 15/6/2022
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