AUDITORIA OPERACIONAL NA LEI DE COTAS PARA INGRESSO NO ENSINO SUPERIOR NAS INSTITUIÇÕES FEDERAIS DE ENSINO (IFES)

Contextualização

O programa de cotas instituído pela Lei 12.711/2012 objetiva a ampliação do acesso às instituições federais de ensino, baseada em ação afirmativa orientada por critérios socioeconômicos e étnico-raciais. Entre os objetivos de criação da Lei de Cotas, inclui-se a promoção do acesso ao ensino superior de estudantes oriundos de escola pública, de baixa renda, e em condições de vulnerabilidade, bem como a diminuição da desigualdade entre brancos e negros no país e a inclusão de indígenas e pessoas com deficiência.

O trabalho avaliou o alcance das metas e resultados da política de cotas. E o critério de renda para a determinação de subcotas na Lei 12.711/2012 que dispõe sobre o ingresso nas universidades e instituições federais.

Na estratégia 12.5 do Plano Nacional de Educação - PNE está prevista a ampliação de políticas de inclusão e de assistência estudantil dirigidas a estudantes de instituições públicas na educação superior, visando a reduzir as desigualdades étnico-raciais e aumentar as taxas de acesso e permanência de estudantes egressos da escola pública, afrodescendentes e indígenas e de estudantes com deficiência, de forma a apoiar seu sucesso acadêmico.

O critério para reserva de vagas por renda familiar é o valor de 1,5 salário-mínimo per capita limitado a 50% das vagas destinadas aos estudantes oriundos do ensino médio integral em escola pública (art. 1º, parágrafo único, da Lei 12.711/2012). Essa regra gera oportunidades desiguais, pois aumenta a concorrência entre os candidatos de baixa renda, considerando o alto percentual de potenciais candidatos com renda per capita familiar até 1,5 salário-mínimo disputando um quantitativo desproporcionalmente menor de vagas reservadas, impactando o atendimento a um dos públicos-alvo da ação afirmativa.

Essa distorção na distribuição de vagas em função da renda promove uma reserva de vagas proporcionalmente menor para candidatos com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo per capita. Consequentemente, quanto maior a competitividade dentro das subcotas, menores as chances de um candidato conseguir acesso à vaga. Portanto, nota-se a influência do critério de renda na determinação de oportunidades desiguais, em que pessoas nessa faixa de renda, principalmente pretas, pardas e indígenas, são expostas a maiores níveis de competitividade dentro da subcota para elas designada.

Em decorrência da alta desigualdade de renda no país, o critério de renda atualmente existente no programa de cotas é muito abrangente, resultando em um critério socioeconômico mal focalizado.

Conforme o art. 56, inciso V, do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010), na implementação dos programas e das ações constantes dos planos plurianuais e dos orçamentos anuais da União, deverão ser observadas as políticas de ação afirmativa destinadas ao enfrentamento das desigualdades étnicas no tocante à educação e outras políticas públicas que tenham como objetivo promover a igualdade de oportunidades e a inclusão social da população negra, especialmente no que tange a iniciativas que incrementem o acesso e a permanência das pessoas negras na educação fundamental, média, técnica e superior. No entanto, o Decreto 7.234/2010, que instituiu o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes), não faz qualquer referência à redução das desigualdades étnico-raciais na permanência e diplomação de estudantes na educação superior pública federal, ainda que a contribuição da assistência estudantil para esse objetivo seja um compromisso estabelecido em lei, no Plano Nacional de Educação (Lei 13.005/2014), no Estatuto da Juventude (Lei 12.852/2013) e no Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010).

Estruturação da governança e gestão

No caso da política de cotas, para uma maior efetividade, mostra-se necessário considerar a coerência dessa política em relação às políticas de assistência estudantil, uma vez que o objetivo final não é apenas o ingresso do aluno, mas sim que esse aluno seja capaz de terminar o curso. A coerência entre essas políticas públicas está diretamente relacionada com a sustentabilidade do programa de cotas, no que se refere à capacidade de produção dos efeitos pretendidos pela política de ação afirmativa ao longo do tempo. Expresso de outra forma, o sucesso da democratização do acesso ao ensino superior também exige o estabelecimento de condições de permanência para que estudantes cotistas possam desenvolver e concluir suas trajetórias acadêmicas nas instituições federais de ensino.

Não há divulgação de dados e de estudos consolidados, com vistas a avaliar o impacto das ações dos programas de assistência (Pnaes e Bolsa Permanência) nas taxas de retenção e evasão/desistência dos estudantes cotistas e não cotistas.

Outra questão que recai na necessidade de coordenação é a necessidade de orientação e regulamentação da heteroidentificação, método de identificação racial em que outra(s) pessoa(s) define(m) o enquadramento do indivíduo em um determinado grupo relativo às categorias de uma classificação.

As categorias atualmente adotadas pelo IBGE são as seguintes: branca, preta, parda, amarela e indígena. No que se refere às cotas raciais, a Lei 12.711/2012 estabelece expressamente a reserva de vagas a autodeclarados pretos, pardos e indígenas nas instituições federais de ensino, conjugada com critérios socioeconômicos, porém não estabeleceu normas de heteroidentificação.

Este trabalho concluiu que houve omissão do MEC no exercício de orientação, coordenação e controle das atividades das entidades vinculadas ao Ministério, bem como na expedição de instruções para a execução das leis, decretos e regulamentos. Embora o programa de cotas tenha iniciado a vigência no ano de 2012, o MEC não regulamentou o procedimento de verificação da autodeclaração de candidatos pretos, pardos e indígenas para fins de preenchimento de vagas reservadas nas instituições federais de ensino.

O QUE O TCU FISCALIZOU

A fiscalização teve como principal objetivo avaliar a política de cotas para ingresso em cursos de graduação, nas instituições federais de ensino. Os principais aspectos avaliados na política envolveram: seleção de beneficiários, execução (dificuldades e desafios), acompanhamento e monitoramento da política, visando a apresentar contribuições para a revisão do programa de cotas, prevista na Lei 12.711/2012, para ocorrer após dez anos da sua publicação.

Volume de recursos fiscalizados

R$ 33,04 milhões (despesas empenhadas no exercício de 2021, fonte Siafi).

O QUE O TCU ENCONTROU

Na seleção de beneficiários da política de cotas, há adoção de critérios restritivos, com vinculação estrita à modalidade de concorrência escolhida pelo candidato, previamente à classificação por notas.

Não há orientações e diretrizes por parte do Ministério da Educação em relação a instrumentos de controle relacionados à autodeclaração racial (pretos, pardos e indígenas).

A concorrência no âmbito da política de cotas é significativamente maior entre estudantes mais pobres, com renda per capita familiar de até 1,5 salário-mínimo, demonstrando os desafios de inclusão desses estudantes.

Não há estudos sobre eventual convergência dos programas de assistência estudantil com a política de cotas, a fim de avaliar o impacto dessas políticas sobre as taxas de retenção e evasão ou desistência dos estudantes cotistas.

Não há efetivo monitoramento e avaliação da política de cotas por parte do Ministério da Educação, impactando a análise dos resultados da política.

Os percentuais de participação dos estudantes pretos, pardos, indígenas e com deficiência, nos cursos de graduação das instituições federais de ensino, ainda não equivalem aos percentuais dessas populações constantes do censo do IBGE, demonstrando que a política de cotas ainda não atingiu, plenamente, os objetivos propostos. 

O que precisa ser feito

O Ministério da Educação, a partir de tratativas com a Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Fundação Nacional do Índio, deve definir metodologias para acompanhamento e avaliação do programa de cotas, bem como as providências para elaborar e divulgar relatórios sobre os resultados advindos da política de cotas.

Foi recomendado ao Ministério da Educação que: regulamente ou expeça diretrizes e orientações a respeito do procedimento de verificação da autodeclaração de candidatos pretos, pardos e indígenas; realize estudos sobre o impacto do Programa Nacional de Assistência Estudantil e o Programa de Bolsa Permanência no atingimento dos objetivos da Lei de Cotas, para avaliar a necessidade e o efeito da assistência estudantil na taxa de retenção e evasão/desistência dos estudantes cotistas e não cotistas; elabore estudos de revisão do critério de renda; e no âmbito da revisão da política de cotas determinada pela Lei 12.711/2012, elabore estudos para identificar as causas do não preenchimento de vagas, de eventual evasão de alunos cotistas e de outros fatores que resultem na baixa representatividade de negros, pardos, índios e deficientes nas Ifes.

Quais os próximos passos

O relatório foi encaminhado aos Presidentes das Comissões de Educação da Câmara e do Senado, visando ao fornecimento de subsídios para a revisão da política de cotas. Será realizado o monitoramento das deliberações visando a sua implementação.

Dados técnicos

Relator TC Unidade Responsável Acórdão
Ministro Walton Alencar 004.907/2022-1 AudEducação/
SecexDesenvolvimento
2.376/2022-TCU-Plenário
Sessão de 26/10/2022
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