AUDITORIA OPERACIONAL NA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS

Contextualização

No Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), a adequada gestão e manejo dos resíduos sólidos urbanos (RSU), vulgarmente conhecidos como lixo urbano, é um dos principais desafios para os municípios brasileiros.

De acordo com o Planares: O reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania, como um dos pilares da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), traz uma perspectiva importante para a gestão integrada dos resíduos sólidos por meio de ações coordenadas que viabilizem a inclusão socioeconômica e produtiva dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis, na condição de agentes ativos na consecução dos objetivos da Política e na recuperação efetiva de parte dos resíduos sólidos gerados.

A Lei 12.305/2010 conferiu papel de destaque aos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis como importantes aliados para melhoria dos índices de coleta seletiva e consequente aumento dos níveis de reciclagem e reutilização de embalagens. Nesse sentido, consta explicitamente como um de seus objetivos a “integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos” (art. 7º, XII). A auditoria tratou sobre a inclusão social, econômica e produtiva dos catadores de materiais recicláveis.

Além da perspectiva de reaproveitamento dos resíduos, a PNRS enfatiza o caráter socioeconômico da política, objetivando a emancipação da classe de catadores de materiais recicláveis e sua retirada dos lixões, onde atuam em condições de completa insalubridade. Assim, buscando inserir os catadores no mercado formal e viabilizar sua atividade produtiva, o art. 8º, IV, definiu como um dos instrumentos da política “o incentivo à criação e ao desenvolvimento de cooperativas ou de outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis”.

A baixa formalização da atividade limita os benefícios trazidos pela PNRS àqueles catadores filiados a alguma cooperativa/associação, uma vez que é inviável para os municípios firmar contratos com os catadores individuais, que, ademais, muitas vezes se encontram em situação de extrema vulnerabilidade social, sem residência fixa, em situação de rua, sem documentos ou conhecimentos suficientes para a regularização de seu trabalho. Portanto, em vez de atingir até um milhão de possíveis beneficiários, segundo a estimativa da Associação Nacional de Catadores e Catadoras de Materiais Recicláveis (Ancat), alcançam, no máximo, 36 mil catadores.

Além da dificuldade em congregar os catadores, ainda é reduzido o número de municípios que possuem contratos firmados com associações e cooperativas de catadores para prestação de serviços de coleta seletiva, apesar da previsão legal (art. 44, II da Lei 12.305/2010).

Espera-se que, com o atendimento da deliberação, os catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis possam participar efetivamente da condução da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), dada sua importância nas iniciativas de coleta seletiva visando ao aumento dos níveis de reciclagem e reutilização de embalagens. Além disso, importante repisar o caráter socioeconômico da política, que busca a emancipação da classe de catadores de materiais recicláveis e sua retirada dos lixões.

Estruturação da governança e gestão

A Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) se trata de uma política transversal altamente descentralizada, com interface com outras iniciativas governamentais, cuja implementação depende de um conjunto de iniciativas dos três entes federativos.

A Constituição Federal definiu como competência da União a instituição de diretrizes sobre saneamento básico (art. 21, XX), sendo que a melhoria das condições de saneamento básico é competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23, IX), e o Sistema Único de Saúde (SUS) tem como atribuição participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico (art. 200, IV).

Não obstante as competências na esfera federal serem divididas entre Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR) e Funasa, a PNRS integra a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA), instituída pela Lei 6.938/1981, sob coordenação do MMA. Dessa forma, atribui-se ao MMA a titularidade da Política. Vale ressaltar que a PNRS também se articula com a Política Nacional de Educação Ambiental, regulada pela Lei 9.795/1999.

A PNRS apresenta grande transversalidade e complexidade, demandando uma estrutura de governança bem delineada para coordenar as ações e atividades dos responsáveis pela sua implementação como forma de evitar sobreposições, duplicidades ou lacunas na sua condução. Verificou-se que não há uma instância adequada de articulação e coordenação das iniciativas desempenhadas pelos órgãos responsáveis, na esfera federal, pela implementação da Política.

Além disso, nova redação do art. 50 da Lei 11.445/2007 busca estimular a formação de arranjos regionais para os serviços públicos de saneamento, estabelecendo que, na aplicação de recursos não onerosos da União, serão priorizados os investimentos de capital que viabilizem a prestação de serviços regionalizada, por meio de blocos regionais.

O Novo Marco Legal do Saneamento, Lei 14.026/2020, veio reforçar a necessidade de adoção de consórcios ou outras formas de cooperação entre os entes federados, com vistas a ganhos de escala e redução dos custos envolvidos na prestação de SMRSU.

Não obstante a necessidade de formação de arranjos regionais para prestação dos SMRSU, segundo o SNIS 2020, existem apenas 138 consórcios formados, com participação de 981 municípios.

Como forma de estimular a criação de arranjos regionais, o art. 50 da Lei 11.445/2007 foi alterado pela Lei 14.026/2020, estabelecendo a adesão facultativa dos titulares dos serviços públicos de saneamento, os municípios, às estruturas de prestação regionalizada no prazo de até 180 dias contados de sua instituição.

Contudo, a não adesão impede o acesso a recursos públicos federais e financiamentos com recursos da União ou com recursos geridos ou operados por órgãos ou entidades da União para ampliação e melhoria das condições do saneamento básico.

O QUE O TCU FISCALIZOU

O TCU avaliou as ações do Governo Federal para atendimento da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei 12.305/2010, alterada pela Lei 14.026/2020, contemplando as iniciativas dirigidas a estados e municípios voltadas à implantação da disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos oriundos dos resíduos sólidos urbanos (RSU), a partir do ano de 2016, ocasião em que o TCU publicou o Relatório de Levantamento sobre a PNRS.

O problema de auditoria identificado foi: segundo o documento de lançamento do Programa Lixão Zero, iniciativa do Governo Federal voltada para auxiliar os estados e municípios na gestão dos resíduos sólidos urbanos, existem no país cerca de 3.200 lixões e aterros controlados que não dispõem das medidas necessárias para proteção contra danos e degradações. Tal situação traz prejuízos diretos à saúde da população, uma vez que esses locais são vetores de doenças propagadas por roedores, aves, insetos e outros animais, além de ocasionar impactos negativos ao meio ambiente devido à poluição dos recursos hídricos e à geração de gases de efeito estufa (GEE).

Volume de recursos fiscalizados

R$ 329,2 milhões, detalhados conforme tabela a seguir.

Tabela: Valores aplicados em RSU por MMA, MDR e Funasa, 2016 a 2022 (R$ milhões).

Órgãos Dotação Autorizada Empenhado Pago A pagar
MMA 97,8 59,8 3,3 56,4
MDR 19,3 8,7 0,4 8,3
Funasa 327,9 260,7 90,1 170,6
445,0 329,2 93,8 235,4
Fonte: Elaboração própria a partir das informações disponibilizadas pelos órgãos

O QUE O TCU ENCONTROU

A adequada gestão e o manejo dos resíduos sólidos urbanos (RSU), vulgarmente conhecidos como lixo urbano, são alguns dos principais desafios para os municípios brasileiros. Como forma de avaliar a situação atual do país sobre essa temática, o TCU realizou, em 2022, fiscalização para avaliar as ações do Governo Federal no atendimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), instituída pela Lei 12.305/2010, alterada pela Lei 14.026/2020. Entre os problemas detectados, destacam-se:

  • Em 2020, entre 5.570 municípios, apenas 33,2% declararam ter implementado algum tipo de cobrança pelo serviço municipal de gestão e manejo de RSU (SMRSU), condição imprescindível para a viabilidade na prestação dos serviços, dado o elevado custo para implantação e operação de aterros sanitários, despesa incompatível com a realidade orçamentária da grande maioria dos municípios brasileiros;
  • Não obstante a necessidade de formação de arranjos regionais para prestação do SMRSU, com vistas a ganhos de escala e redução dos custos envolvidos, em 2020, havia apenas 138 consórcios formados com participação de 981 municípios;
  • Apesar da importância dos planos de resíduos sólidos para a adequada gestão e o manejo dos RSU, em 2020, entre 4.589 municípios informantes, apenas 2.268 declararam possuir planos de gestão de resíduos (49,4%);
  • O país carece de um mapeamento detalhado de áreas contaminadas, incluídas as áreas órfãs, que são aqueles territórios cujos responsáveis pela degradação não sejam identificáveis ou individualizáveis e cuja obrigação de remediar cabe ao Governo Federal;
  • Não há uma instância adequada de articulação e coordenação das iniciativas desempenhadas pelos órgãos responsáveis, na esfera federal, pela implementação dessa Política;
  • A categoria de catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis não possui um locus para deliberar sobre questões que lhes digam respeito, tampouco para participar da formulação de políticas, planos e programas relacionados à gestão dos RSU.

Gráfico: Distribuição geográfica da cobrança pelo serviço municipal de gestão e manejo de resíduo sólido urbano (SMRSU), Brasil, SNIS 2020

Gráfico: Distribuição geográfica da cobrança pelo serviço municipal de gestão e manejo de resíduo sólido urbano (SMRSU), Brasil, SNIS 2020

Fonte: MDR/SNIS

Em consequência dos problemas apontados, o país ainda se encontra em um cenário bastante preocupante na gestão e no manejo dos RSU. As dificuldades de coordenação entre os principais executores da PNRS ocasionam ações desarticuladas com perda de coesão, potencializando a ocorrência de sobreposições, duplicidades ou lacunas na sua condução.

Gráfico: Quantitativo e distribuição geográfica dos municípios que possuem Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) e Planos Intermunicipais de Resíduos Sólidos (PIRS), Brasil, SNIS 2020

Gráfico: Quantitativo e distribuição geográfica dos municípios que possuem Planos Municipais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PMGIRS) e Planos Intermunicipais de Resíduos Sólidos (PIRS), Brasil, SNIS 2020

Fonte: SNIS 2020

Dessa maneira, passados doze anos desde a edição da Lei 12.305/2010 (PNRS), o país ainda contabiliza cerca de 2.600 lixões e aterros controlados que seguem contaminando as águas, o solo e o ar com impactos diretos na saúde da população e na economia. Aproximadamente, 40% da massa de rejeitos ainda tem disposição inadequada, e os níveis de reciclagem ainda são incipientes, inferiores a 4% na média nacional.

Gráfico: Destinação dos rejeitos por parte dos municípios, Brasil, SNIS/2020

Gráfico: Destinação dos rejeitos por parte dos municípios, Brasil, SNIS/2020

Fonte: SNIS 2020

Em que pese o papel de destaque conferido pela PNRS aos catadores de materiais recicláveis como importantes aliados para melhoria dos índices de coleta seletiva e consequente aumento dos níveis de reciclagem e reutilização de embalagens, ainda é reduzido o número de municípios que têm contratos firmados com associações e cooperativas de catadores para prestação de serviços de coleta seletiva, apesar da previsão legal.

O que precisa ser feito

Foi determinado ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima que encaminhe Plano de Ação contemplando as medidas a serem adotadas para identificação, localização e classificação das chamadas áreas órfãs contaminadas, detalhando as atividades que serão desenvolvidas para recuperação das áreas degradadas, assim como os procedimentos adotados para identificação dos responsáveis pelos danos detectados, com vistas ao ressarcimento dos investimentos realizados.

Ainda, recomendou-se aos Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) da Integração e do Desenvolvimento Regional (MI), bem como à Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que estabeleçam procedimentos e práticas que possibilitem uma melhor articulação e coordenação das atividades desenvolvidas na gestão e no manejo dos RSU, com vistas à adequada implementação da PNRS.

Em complemento, foi recomendado ao MMA que aprimore o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), documento que orienta a estratégia de longo prazo em âmbito nacional para operacionalizar a PNRS, e que crie mecanismos que possibilitem e fomentem a participação efetiva de representantes dos catadores de materiais recicláveis e reutilizáveis nas instâncias de discussão sobre os assuntos relacionados à PNRS.

Por fim, entendeu-se oportuno enviar cópia do Acórdão que apreciou a auditoria sobre a PNRS (Acórdão 389/2023), acompanhado do Relatório e do Voto que o fundamentam, aos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal e aos Tribunais de Contas dos Municípios, bem como à Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), informando sobre: a) a não instituição de cobrança, por parte dos municípios, pelo SMRSU, em afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal; b) o elevado número de municípios que não elaboraram seus planos de gestão de resíduos, não atendendo a comando explícito da PNRS; e c) sobre a pequena proporção de consórcios e arranjos regionais formados, ressaltando a importância de os Municípios se associarem, de forma a propiciar a prestação conjunta do SMRSU, conforme estabelecido na PNRS.

Quais os próximos passos

Será realizado o monitoramento das deliberações visando a sua implementação.

Dados técnicos

Relator TC Unidade Responsável Acórdão
Min. Substituto Marcos Bemquerer 041.321/2021-9 AudAgroAmbiental/
SecexDesenvolvimento
389/2023-TCU-Plenário
Sessão de 8/3/2023
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