AUDITORIA NO PROGRAMA NACIONAL DE IMUNIZAÇÕES (PNI) Meta ODS 3b (saúde e bem-estar)

Contextualização

A manutenção da saúde é um dos fatores fundamentais para a redução da pobreza, para o desenvolvimento dos potenciais humanos e para a prosperidade do país. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) é um dos programas mais significativos em saúde preventiva, pois a vacinação é reconhecida como uma das formas mais efetivas e de menor custo para prevenir a incidência de várias doenças e assim reduzir a mortalidade de brasileiros, a perda de anos de atividade produtiva, bem como os gastos com tratamentos curativos e de reabilitação.

As principais causas identificadas para que as coberturas vacinais (CV) persistam em níveis baixos e decrescentes desde 2016 são: deficiência no acompanhamento da situação vacinal, dificuldade de acesso aos serviços de vacinação, baixa coordenação das ações de comunicação para esclarecimento de crenças e percepções equivocadas acerca das vacinas, deficiência do planejamento da aquisição e da distribuição de vacinas para monitoramento de sua disponibilidade e minimização dos episódios de desabastecimento, limitações na integração de sistemas e na alimentação dos dados do PNI e baixa institucionalização da coordenação entre ações dos três níveis de governo e entre as principais intervenções públicas que contribuem para a recuperação das CV. Não há consenso na literatura sobre a contribuição de cada uma delas para o problema.

As quedas nas CV trazem o risco de reintrodução de doenças imunopreveníveis eliminadas e de piora nos números de casos, internações, óbitos e pessoas acometidas de sequelas relacionadas a doenças ainda presentes no país. Mesmo pequenas quedas abaixo das metas consideradas seguras para se obter a imunização coletiva podem provocar o acúmulo de contingente de pessoas não vacinadas ao longo dos anos, com possibilidade de piora das consequências em caso de surtos.

Estruturação da governança e gestão

O sucesso do Programa Nacional de Imunizações (PNI) possui conexões transversais e multidisciplinares que englobam educação, assistência social e ciência e tecnologia, provenientes de órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, de instâncias de discussão e pactuação, de organizações da sociedade civil, entre outros atores interessados.

Existem outros programas públicos federais relacionados com a verificação da cobertura vacinal, como é o caso dos programas Auxílio Brasil - Programa Bolsa Família e Programa Saúde na Escola (PSE).

No atual Auxílio Brasil, a manutenção da condição de família beneficiária no programa depende, entre outros, de condicionalidades relativas ao cumprimento do calendário nacional de vacinação. Em caso de descumprimento das condicionalidades, é vedada a adoção de procedimentos de caráter unicamente punitivo, devendo ser verificada a situação da família e prestada a devida atenção e orientação, com estabelecimento de prazo razoável para que ela possa cumpri-las antes de se proceder ao seu desligamento do referido programa. Diante da continuidade da queda das coberturas vacinais, é necessária a intensificação da articulação entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Cidadania para o acompanhamento e fiscalização do cumprimento da observância do calendário nacional de vacinação como condicionante para manutenção do benefício.

Existem diversos programas de governo que podem contribuir com os objetivos do PNI, porém não há mecanismo institucionalizado de coordenação horizontal para que reforcem entre si e garantam coerência de suas atividades de verificação da situação vacinal, de acompanhamento das famílias e de promoção da saúde. A análise de Fragmentações, Sobreposições, Duplicidades e Lacunas (FSDL) demonstrou que não há mecanismos institucionais de coordenação entre as principais intervenções que podem contribuir para a melhoria das Coberturas Vacinais (CV), o que dificulta a obtenção do efeito de reforço almejado, bem como a avaliação do impacto e o aperfeiçoamento da sistemática para a recuperação das CV.

Para aperfeiçoar a implementação do PNI, é importante que sejam definidas instâncias de coordenação que atuem sobre o financiamento de pesquisa, desenvolvimento e inovação na área da saúde, bem como sobre as intervenções do Ministério da Saúde que contribuem para o alcance das metas de CV.

O QUE O TCU FISCALIZOU

O objetivo geral da auditoria foi examinar como se organizam e coordenam-se as intervenções públicas, para garantir a cobertura vacinal (CV), recomendada para a população e para apoiar as atividades do Programa Nacional de Imunizações (PNI).

A auditoria integrou esforço coordenado pela Organização Latino-Americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (OLACEFS), no contexto do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3, do qual participaram 17 instituições nacionais e subnacionais. No Brasil, a auditoria foi motivada pela queda contínua das CV, desde 2016.

A auditoria foi realizada entre outubro de 2021 e abril de 2022, adotando-se o enfoque integrado de governo. Aplicou-se um modelo de avaliação de maturidade de governança de políticas públicas, e realizaram-se análises quantitativas e qualitativas de dados de 2018 a 2021 e em alguns casos retroativos a 2015, junto com pesquisa eletrônica respondida por todos os estados e 1.627 municípios.

O foco da auditoria recaiu sobre cinco vacinas principais aplicadas em crianças de um ano e meio de idade ou menos.

Volume de recursos fiscalizados

R$ 4,1 bilhões

O que o TCU encontrou?

O PNI é firmemente estabelecido, tem o apoio da comunidade científica e é reconhecido por sua capacidade histórica de vacinar a população. A sua efetividade depende da manutenção de níveis adequados de CV ao longo do tempo e em todas as localidades e grupos populacionais. Apesar do histórico bem-sucedido do PNI, as coberturas das principais vacinas estão caindo em todas as regiões do Brasil, pelo menos, desde 2016. Essa situação faz que o número de pessoas suscetíveis a doenças imunopreveníveis se acumule, aumentando o risco de surtos. Essas doenças podem levar a internações, sequelas e morte (cf. o gráfico abaixo).

Gráfico Coberturas vacinais no Brasil para cinco imunizantes selecionados, de 2013 a 2021 e linha de tendência linear para a CV de poliomielite.

Gráfico Coberturas vacinais no Brasil para cinco imunizantes selecionados, de 2013 a 2021 e linha de tendência linear para a CV de poliomielite.

Fonte: Datasus/Tabnet. Disponível em http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/dhdat.exe?bd_pni/cpnibr.def. Acesso em 10 jun. 2022. Elaboração própria com o MS Excel.

A queda das CV tem várias causas, e não há consenso sobre a contribuição de cada uma delas. É importante haver um plano que identifique, entre outros aspectos, as causas principais e suas respectivas contribuições para a queda, as medidas para sua reversão, as responsabilidades dos atores envolvidos, as metas finais e intermediárias, os prazos e os recursos necessários para a recuperação. Foram identificadas oportunidades de aprimoramento do PNI que, resolvidas, podem contribuir para a recuperação das CV.

O acompanhamento da situação vacinal das famílias e a busca ativa de faltosos não têm conseguido identificar os indivíduos não vacinados e as pessoas com esquema vacinal incompleto e encaminhá-los à vacinação de forma suficiente, a fim de garantir o alcance das metas de CV. É necessário aperfeiçoar o fluxo de informação entre a identificação dos atrasados e dos não vacinados pelos agentes comunitários de saúde e o serviço de vacinação, realizando-se o aprazamento e fortalecendo o acompanhamento.

Há barreiras de acesso ao serviço de vacinação que podem contribuir para a falta de alcance dessas metas, entre elas, os horários restritos de funcionamento das unidades de saúde. O Ministério da Saúde (MS) criou um programa para incentivar o funcionamento das unidades em horários estendidos, mas sua cobertura ainda é baixa.

As ações de comunicação sobre imunização não são capazes de reverter crenças de parcela das famílias que as levam a atrasar o esquema vacinal ou recusem a vacinação, mesmo quando há recursos para fazê-lo.

De janeiro de 2019 a abril de 2022, houve episódios de desabastecimento, com potencial de impactar as coberturas das vacinas em falta. O desabastecimento, ainda que parcial ou temporário, pode levar a oportunidades perdidas de vacinação.

Os principais sistemas de informação utilizados na gestão do PNI apresentaram limitações diversas, relacionadas ao nível de alimentação dos dados, à emissão de relatórios gerenciais, à migração de dados, às bases populacionais utilizadas e à transparência das informações, a exemplo do acesso a notas metodológicas.

Existem diversos programas de governo que podem contribuir com os objetivos do PNI, porém não há mecanismo institucionalizado de coordenação horizontal para que reforcem, entre si, suas atividades de verificação da situação vacinal, acompanhamento das famílias e promoção da saúde.

As intervenções públicas que financiam pesquisa, desenvolvimento e inovação em vacinas, essenciais para garantir a sustentação e a efetividade do PNI, apresentam instâncias de fragmentação e sobreposição que podem impactar a sua eficiência e efetividade.

Os gestores dos Ministérios da Saúde e da Ciência, Tecnologia e Inovação comentaram o relatório preliminar de auditoria, sem apresentar objeções ao mérito das recomendações propostas. A Coordenação-Geral do PNI enfatizou que a implementação das recomendações depende de prévio acordo entre as unidades responsáveis do Ministério e deste com representantes das secretarias de saúde dos estados e dos municípios.

O que precisa ser feito

Para que o Brasil possa reverter o contexto de queda das CV verificado nos últimos anos, é necessário que o Ministério da Saúde aproveite as possibilidades da tecnologia da informação, para permitir o registro de informações sobre o encaminhamento dos não vacinados e dos atrasados aos serviços de vacinação, o aprazamento automático de todas as primeiras doses das vacinas recomendadas e a emissão automática de lembretes e alertas relacionados à vacinação.

Além disso, o Ministério deve adotar medidas, para garantir a completude e a tempestividade dos dados de vacinação, bem como o estabelecimento e a revisão de procedimentos de registro de dados de movimentação de imunobiológicos, migração de informações entre o e-SUS APS e o SI-PNI e asseguração da qualidade das informações.

A disponibilidade de dados confiáveis é pré-requisito para a instituição de processo eficiente de planejamento de aquisição e distribuição de vacinas, o que contribuirá para a minimização de episódios de desabastecimento.

É necessário submeter à pactuação na Comissão Intergestores Tripartite o arranjo de governança para a coordenação e o alinhamento das ações de comunicação sobre imunização e de plano de recuperação das CV, contemplando a atuação dos entes federados e dos demais atores relevantes, a exemplo do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems).

Para aperfeiçoar a implementação do PNI, é importante que sejam definidas instâncias de coordenação que atuem sobre o financiamento de pesquisa, o desenvolvimento e a inovação na área da saúde, bem como sobre as intervenções do Ministério da Saúde que contribuem para o alcance das metas de CV, possibilitando o alinhamento entre elas.

A adoção dessas medidas possibilitará maior efetividade ao PNI e, dessa forma, contribuirá para o alcance de níveis adequados de cobertura vacinal em todas as localidades e grupos populacionais do país.

Quais os próximos passos

O TCU encaminhou suas conclusões e deliberações ao Congresso Nacional e aos colegiados de gestores estaduais e municipais de saúde. Na sequência, acompanhará, em conjunto com Tribunais de Contas dos estados e dos municípios, a implementação das medidas aperfeiçoadoras a ser adotadas pelo Ministério da Saúde.

Dados técnicos

Relator TC Unidade Responsável Acórdão
Ministro Vital do Rêgo TC 040.655/2021-0 AudSaúde/
SecexDesenvolvimento
2.622/2022 - TCU - Plenário
Sessão de 30/11/2022
Top