Regra de Ouro
Segundo o art. 167, inciso III, da Constituição federal, é vedada a realização de operações de crédito que excedam o montante das despesas de capital, ressalvadas as autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta. Tal princípio, denominado Regra de Ouro das finanças públicas, visa a coibir o endividamento do Estado para custear despesas correntes.
A legislação infraconstitucional que regulamenta a Regra de Ouro estabelece que sua aferição deve ser realizada quando da elaboração e aprovação da peça orçamentária, com base nos valores propostos e autorizados, e após o encerramento do exercício financeiro, com base nos valores executados.
Relativamente ao exercício de 2019, as operações de crédito superaram as despesas de capital, tanto em termos orçamentários quanto em termos de execução. Ambos os fatos ocorreram pela primeira vez, desde a promulgação da Constituição federal de 1988.
Na elaboração/aprovação da Lei 13.898/2019 – Lei Orçamentária Anual (LOA) 2019, as operações de crédito estimadas (R$ 1.424 bilhões) superaram em R$ 249 bilhões o volume fixado de despesas de capital (R$ 1.175 bilhões). A alternativa adotada pelo Poder Executivo e ratificada pelo Parlamento consistiu em consignar o excesso de operações de crédito (R$ 249 bilhões) e as correspondentes despesas correntes financiadas por essa fonte de recursos como programações condicionadas à aprovação legislativa, por maioria absoluta, de crédito adicional, conforme previsto na Constituição.
Fundamentos para a opinião sobre o Balanço Geral da União
Tabela 1 – Receitas e despesas condicionadas – LOA 2019 (R$ milhões)
Assim, despesas com benefícios previdenciários e programa Bolsa Família, por exemplo, tiveram parcela de suas dotações condicionadas à aprovação do crédito adicional autorizado na forma da Lei 13.843/2019. Ao tempo em que permitiu que as operações de crédito realizadas excedessem as despesas de capital em R$ 249 bilhões, a Lei 13.843/2019 abriu créditos suplementares em igual montante, suprindo a insuficiência de orçamentação para o custeio das despesas elencadas acima. Ao final do exercício, as operações de crédito superaram em R$ 185 bilhões as despesas de capital executadas.
Tabela 2 – Apuração do cumprimento da Regra de Ouro ao fim de 2019 (R$ bilhões)
Cotejando-se as receitas de operações de crédito consideradas (R$ 1.057 bilhões) e despesas de capital executadas (R$ 872 bilhões), houve desequilíbrio de R$ 185 bilhões, o que não se coaduna com o postulado da Regra de Ouro. No entanto, como já informado, a Constituição permite que o Congresso Nacional (CN) autorize excepcionalmente essa situação, o que ocorreu em 2019. Como o excesso de R$ 185 bilhões não ultrapassou o limite da autorização parlamentar (R$ 249 bilhões), considera-se cumprida a norma constitucional.
A mesma Lei 13.843/2019 autorizou a realização de despesas correntes, com finalidade específica, custeadas pelo excesso de operações de crédito. Nesses termos, foram autorizadas despesas no valor de R$ 249 bilhões, das quais R$ 241 bilhões foram pagos em 2019, não se detectando desvio de finalidade na execução desses recursos.
Ressalte-se que a formatação da Regra de Ouro brasileira vinha possibilitando o cumprimento formal do art. 167, inciso III, da CF/1988, mesmo em cenário fiscal deficitário com significativa redução de investimentos e inversões financeiras da União, como se verifica no gráfico a seguir.
Gráfico 1 – Investimentos e inversões financeiras versus resultado primário do governo central (R$ bilhões)
Nota: Valores de fev 2020.
Assim, a redução de investimentos e inversões financeiras conjugada com seguidos deficit fiscais conduziriam ao desequilíbrio da Regra de Ouro. No entanto, o equilíbrio formal da regra perdurou até 2018, graças a dois principais fatores: o ingresso de receitas financeiras não recorrentes e o amplo conceito de despesas de capital, que abrange as amortizações, além dos investimentos e das inversões financeiras.
O ingresso de receitas financeiras não recorrentes, com destaque para o resultado positivo do Banco Central (Bacen) e os pagamentos antecipados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) por empréstimos anteriores, foi decisivo para o cumprimento formal da Regra de Ouro, notadamente nos exercícios de 2016 a 2018. Os pagamentos antecipados do Bacen favoreceram o cumprimento formal da Regra de Ouro, pois os recursos foram utilizados para executar despesas com amortizações (tipo de despesa de capital) ou outras despesas financeiras (como juros da dívida), liberando fontes para o custeio de outras despesas de capital.
No entanto, com a escassez dos recursos a serem pagos antecipadamente pelo BNDES e as restrições impostas pela Lei 13.820/2019 às transferências de resultados do Bacen ao Tesouro Nacional, a União tende a não mais contar com recursos tão volumosos para equilibrar formalmente a Regra de Ouro. Assim, o Tesouro Nacional projeta que as operações de crédito excedam as despesas de capital pelo menos até o exercício de 2026.