AVALIAÇÃO DOS EFEITOS DOS BENEFÍCIOS DE PROTEÇÃO SOCIAL

O QUE O TCU FISCALIZOU

O presente trabalho surge no contexto de discussões sobre a necessidade de se revisar os programas do governo, de modo a torná-los mais eficientes. A realidade de desigualdade social e pobreza vivenciada pela população brasileira foi agravada pela pandemia de Covid-19, exigindo a atuação do governo federal uma série de medidas para evitar que milhares de famílias ficassem totalmente desamparadas.

A fiscalização analisou os efeitos de alguns benefícios de proteção social na redução da desigualdade de renda e da taxa de pobreza. Foram selecionados: (i) dois benefícios assistenciais, o Programa Bolsa Família (PBF) e o Benefício de Prestação Continuada (BPC); (ii) dois trabalhistas, o Seguro-desemprego e o Abono Salarial; e, (iii) dois previdenciários, a Previdência Rural e o Salário Família. Também se analisou a dedução de dependente do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) que, embora não seja um benefício de proteção social e integre a estrutura tributária do IRPF, foi utilizada como parâmetro de verificação interna dos resultados dos demais benefícios.

QUAL METODOLOGIA USOU

As análises realizadas na auditoria buscaram: i) conhecer a composição de renda da população nacional, incluído o rendimento do trabalho e outros rendimentos (programas sociais, aluguéis, aplicações financeiras etc.); ii) atestar o nível de focalização dos programas e os impactos desses na desigualdade de renda; iii) identificar sobreposições entre os diversos programas; e iv) avaliar a focalização desses programas no estrato de crianças e jovens menores de 18 anos.

Elegeu-se a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnadc) anual como fonte de dados socioeconômicos, que permite realizar comparações sobre o perfil social e de renda das famílias beneficiárias. Para afastar o risco de enviesamento do trabalho em razão dos efeitos da pandemia de Covid-19 em 2020, optou-se por usar a Pnadc referente ao ano de 2019.

Como referência de linha de pobreza, utilizou-se o parâmetro internacional adotado pelo Banco Mundial em suas análises, de R$ 386,62/mês1. Esse fato facilitou realizar comparações, pois as demais opções de linhas de pobreza nacionais coincidem com critérios de elegibilidade de alguns dos programas avaliados. Ademais, afastou o risco de estatísticas com erro padrão maior, que adviria do uso de linhas de pobrezas menores.

Ao final, optou-se pela utilização do “gap de pobreza” (também referenciado como “hiato de pobreza”) para análise de impactos nos programas sociais. Essa é uma medida mais sensível às variações de renda entre os mais pobres.


1 Valor obtido mediante a conversão do valor de US$ 5,50/dia.

O QUE O TCU ENCONTROU

Impacto na pobreza

Constatou-se que a proporção de beneficiários pobres no PBF (69,4%) é maior, seguida pelo salário família (28,4%) e BPC (25,8%). Isso indica que esses benefícios estão mais focalizados nos mais pobres, o que contribui para mitigar à desigualdade e a pobreza nessa população.

Taxa de pobreza entre os beneficiários, referente à linha de pobreza de R$ 386,62/mês (US$ 5,50/dia)

imagem da Taxa de pobreza entre os beneficiários, referente à linha de pobreza de R$ 386,62/mês (US$ 5,50/dia)
Fonte: equipe de auditoria, a partir de dados das operações de crédito enviadas pelo Banco do Bracil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O mapa abaixo evidencia os estados brasileiros segundo a taxa de pobreza estimada pós-benefício (quanto mais escura a cor, maior a pobreza). Toma-se como referência a linha de pobreza internacional.

Proporção de pessoas pobres, que vivem abaixo de US$ 5,50 por dia, por estado

Imagem da Proporção de pessoas pobres, que vivem abaixo de US$ 5,50 por dia, por estado
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnadc 2019

No que diz respeito à relação despesa x impacto na pobreza, observou-se que, para reduzir 1 ponto percentual no hiato da pobreza, são necessários R$ 12,63 bilhões anuais aplicados no PBF. No BPC, esse valor é de R$ 24,30 bilhões anuais, enquanto no salário família é de R$ 30,93 bilhões anuais.

No outro extremo, os benefícios trabalhistas se mostraram os menos econômicos. Destaca-se o abono salarial, que requer R$ 61,01 bilhões anuais para cada 1 ponto percentual de redução no gap de pobreza.

Gasto anual por ponto percentual de redução de pobreza

Imagem do Gasto anual por ponto percentual de redução de pobreza
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

Pode-se concluir que os programas menos custosos para reduzir em 1 ponto percentual o hiato de pobreza são o PBF (R$ 12,63 bilhões anuais), o BPC (24,30) e o Abono Salarial (30,93). Os benefícios trabalhistas são os mais custosos: Abono Salarial (61,01) e o Seguro-desemprego (53,20).

Impacto na desigualdade de renda

A desigualdade brasileira é uma das piores do mundo, sendo a pior entre os países da América Latina e próxima do patamar médio de desigualdades dos países africanos.

O PBF é o benefício largamente focalizado nos mais pobres, seguido do Salário Família e do BPC. Os demais benefícios concentram as transferências nas parcelas menos pobres da população.

Os benefícios sociais também podem ser avaliados quanto à sua contribuição para a composição do Índice de desigualdade de Gini. As despesas com cada benefício afetam a desigualdade por meio de dois fatores que devem ser separados para análise: o número de beneficiários e a distribuição dos valores dos benefícios na população. Quanto maiores forem a quantidade de beneficiários e a razão de concentração dos valores nos mais pobres, maior será o impacto na redução do Gini.

O gráfico a seguir mostra a proporção dos beneficiários na população e a razão de concentração do benefício. Os tamanhos das bolhas mostram a contribuição final de um aumento do valor do benefício para a desigualdade, a chamada “sensibilidade do Gini”. Se forem azuis, reduzem a desigualdade; se vermelhas, elevam a desigualdade.

Sensibilidade do Gini dos benefícios da proteção social

Imagem da Sensibilidade do Gini dos benefícios da proteção social
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

ANa essência, a sensibilidade do Gini indica o espaço que se tem para aumentar um benefício, de forma a maximizar a redução da desigualdade.

Apenas o desconto do dependente de IRPF demonstrou ser regressivo (bolha vermelha) pois, se majorado, elevaria o Índice de Gini. Os demais benefícios são progressivos (bolhas azuis), ou seja, reduzem o índice de Gini com o incremento do valor do benefício.

As análises mostram que um aumento no valor do PBF conta com a maior eficiência entre os benefícios analisados (valor máximo igual a 1), enquanto aumentos no Salário família e no BPC proporcionariam, respectivamente, 30% e 14% do efeito do PBF.

Os impactos na desigualdade precisam ser cotejados com os gastos estimados de cada benefício. Ao se dividir o gasto de cada benefício pelo seu impacto na desigualdade, obtém-se a economicidade de cada benefício para a redução de um ponto percentual na desigualdade.

Economicidade dos benefícios da proteção social na redução da desigualdade

Imagem da Economicidade dos benefícios da proteção social na redução da desigualdade
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

O PBF é o programa de transferência monetária mais barato, reduzindo um ponto percentual do Gini a um custo de R$ 27,91 bilhões anuais. Por outro lado, o Abono Salarial despende R$ 74,32 bilhões anuais por cada um ponto percentual do Gini.

Sobreposição dos benefícios

Sobreposições entre os benefícios indicam espaço para ganho de eficiência. Esta análise de sobreposições entre os benefícios foi efetuada entre os membros de cada família. A contabilização foi efetuada pela incidência de benefícios diferentes na família, de modo que o número máximo de benefícios passível de ocorrer em uma família corresponde, em tese, aos sete benefícios avaliados.

Apurou-se que mais de 95% das famílias não recebem nenhum benefício (40 milhões de famílias) ou apenas um benefício (28,9 milhões de famílias). Não há famílias recebendo mais de quatro benefícios diferentes. Portanto, a análise de sobreposições centrou-se nas 3,5 milhões de famílias que recebem de dois a quatro benefícios diferentes, conforme figura a seguir.

Quantidade de famílias por número de benefícios diferentes

Imagem da Quantidade de famílias por número de benefícios diferentes
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

A próxima tabela mostra a porcentagem de sobreposição, dois a dois, entre benefícios diferentes. Para melhor visualização, os valores dos benefícios são coloridos de acordo com sua magnitude, com predominância do vermelho quanto maior a taxa de sobreposição.

Percentual de sobreposição entre benefícios analisados dois a dois

Imagem da Percentual de sobreposição entre benefícios analisados dois a dois
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

Para melhor esclarecimento, as 404.655 famílias com percepção concomitante de PBF e BPC correspondem a 14% das 2.813.651 famílias que percebem BPC. Por outro lado, as mesmas 404.655 famílias correspondem a 3% das 11.840.190 famílias que recebem PBF.

Como significativo, os programas Abono Salarial, Salário Família, PBF e “Outros Programas”2 possuem sobreposições entre eles, nos seguintes percentuais: PBF e “Outros Programas” (43%); Salário Família e Abono Salarial (24%); PBF e Salário Família (18%).

Percebe-se, portanto, uma sobreposição significativa entre o PBF com o salário família e entre este e o abono salarial.

Lembrando que os três citados programas são transferências monetárias de natureza complementar de renda, pode-se afirmar que há espaço de aperfeiçoamento com a eliminação de sobreposições entre os três benefícios, a bem da eficiência na alocação de recursos orçamentários.

2 “Outros Programas” correspondem a outras transferências de renda respondidas nas entrevistas da Pnad, que não PBF, BPC, Seguro-desemprego, Previdência, e referem-se provavelmente em grande parte a transferências em níveis estadual e municipal.

Focalização dos benefícios em crianças e jovens menores de 18 anos

Avaliou-se também a cobertura dos benefícios de proteção social, ou a deficiência dela, nas famílias com crianças e jovens menores de 18 anos de idade.

Na análise, a taxa de pobreza nas famílias com crianças e jovens é de 28,7%, enquanto a mesma taxa para famílias com idosos com idade igual ou superior a 65 anos é de 5,3%. Em famílias com crianças, porém sem idosos, a taxa de pobreza se eleva para 30%, enquanto para famílias com idosos, porém sem crianças e jovens, a taxa de pobreza se reduz para 2,8%. Ou seja, a taxa de pobreza entre famílias só com crianças chega a ser mais de 10 vezes maior que a taxa entre famílias só com idosos. Como comparação, a taxa de pobreza geral da população é de 21,6%.

Taxas de pobreza nas famílias com crianças e/ou idosos

Imagem da Taxas de pobreza nas famílias com crianças e/ou idosos
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

Observou-se que 73,8% das famílias atendidas pelo PBF contêm crianças e jovens, gastando 78,9% do respectivo orçamento. O PBF contém parcelas de benefício que são direcionadas especificamente a crianças e jovens, relacionadas a condicionalidades de educação e saúde.

A cobertura do PBF só é menor do que o Salário Família (100% de cobertura), uma vez que este benefício é obviamente direcionado totalmente para as famílias com crianças e jovens, em virtude das regras de elegibilidade do benefício, que exige a presença de menores de 14 anos.

Já o Desconto de Dependente de IRPF contribui com 65,9% de seus gastos em famílias com crianças e jovens, uma vez que uma boa parcela desses dependentes é composta por menores de idade.

Por seu turno, observa-se uma baixa participação relativa de crianças e jovens em famílias beneficiadas pelo BPC (38,6% e 38,1%, respectivamente, de famílias e gastos) e pela Previdência Rural (24,4 e 22,2%), haja vista que são benefícios que contemplam predominantemente os idosos.

Participação das crianças e jovens em cada benefício, por família e valor gasto

imagem com a Participação das crianças e jovens em cada benefício, por família e valor gasto
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

Ainda em relação às 31,5 milhões de famílias com crianças e jovens (43,5% das famílias no Brasil), examinou-se a cobertura de cada benefício, consoante gráfico adiante.

Cobertura familiar das crianças e jovens por benefício

imagem com a Cobertura familiar das crianças e jovens por benefício
Fonte: SAE/SecexPrevidência com dados da Pnad 2019.

O PBF é o que apresenta maior cobertura (27,8%), seguido pelo Desconto de Dependente do IRPF (15,1%) e Salário Família (14,9%). Juntando-se todos os benefícios, essa cobertura é de pouco mais de 60%, que demonstra que 2 entre 5 famílias com crianças e jovens não são alcançadas pelos benefícios.

As análises apontam indícios de má distribuição do orçamento dos programas de transferência de renda, no sentido de não mitigar a pobreza entre jovens e adolescentes. A grande diferença (dez vezes) entre a taxa de pobreza entre famílias com crianças e jovens e famílias com idosos (ambos sem renda do trabalho) indica desequilíbrio no sistema de proteção social, a beneficiar o último grupo em relação ao primeiro.

De um lado, os programas de transferência de renda com maiores orçamentos possuem limitada cobertura para atendimento a famílias com crianças e adolescentes: a cobertura dos programas BPC, Previdência Rural e Abono Aalarial é inferior a 4%. De outro lado, programas com maior cobertura nesse público (PBF e Salário Família) possuem orçamento limitado comparado com os citados anteriormente.

As falhas na focalização em famílias com jovens e crianças indicam baixa eficiência dos programas na mitigação da pobreza entre indivíduos nessa faixa etária, com exceção do PBF.

Quanto à equidade dos programas, foi verificado que os programas BPC, Abono Salarial, Salário Família e Previdência Rural não mitigam a pobreza de forma equitativa entre as diversas faixas etárias da população, em especial entre famílias com idosos e famílias com crianças e adolescentes.

Já o PBF, o Salário Família e “Outros Programas”, em conjunto, têm propiciado uma cobertura maior nas famílias com crianças e jovens. Esses programas alcançaram 72,8% nos 20% da população mais pobre, 52,9% na região Nordeste, 46,5% na região Norte e 38,5% nos municípios do interior do país. Os resultados indicam, portanto, a contribuição dos programas para a redução das desigualdades sociais, regionais e locais (entre região metropolitana e interior dos estados).

PRÓXIMOS PASSOS

As conclusões do trabalho serão encaminhadas à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional (CMO), bem como ao Ministério da Cidadania e ao Ministério do Trabalho e Previdência, como subsídios para o aperfeiçoamento dos programas Benefício de Prestação Continuada, Abono Salarial, Salário Família e Previdência Rural.

DADOS DA DELIBERAÇÃO

Acórdão(s):

2.334/2021-TCU-Plenário

Data da sessão:

29/9/2021

Relator:

Ministro-substituto André Luis de Carvalho

Processo(s):

TC 017.391/2021-0

Unidade técnica responsável:

Secretaria de Controle Externo da Previdência, do Trabalho e da Assistência Social

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