AVALIAÇÃO DE IMPACTO

O QUE O TCU FISCALIZOU

Em resposta à crise econômica decorrente da pandemia de Covid-19, em 2020, o governo federal brasileiro lançou programas com o objetivo de facilitar o acesso a crédito por micro, pequenas e médias empresas (PME). A oferta de crédito, por sua vez, teve a finalidade de contribuir com a sobrevivência dessas empresas durante os períodos de restrição e mitigar a redução nos níveis de emprego.

O TCU analisou a efetividade de alguns dos programas lançados para o alcance desses objetivos. Foram avaliados o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), o Programa Emergencial de Acesso a Crédito (PEAC), o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese) e o Fundo de Aval às Micro e Pequenas Empresas (Fampe)1.

Principais informações dos programas avaliados

Quadro com as principais informações dos programas avaliados.
Fonte: equipe de auditoria, a partir de dados das operações de crédito enviadas pelo Banco do Bracil e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
*Trata-se do percentual de garantia do valor de cada operação de crédito.
1 O Fampe é um programa de garantia do Sebrae, que já existia antes da pandemia.

QUAL METODOLOGIA O TCU UTILIZOU

Avaliar a efetividade de um programa público significa identificar os efeitos da intervenção governamental sobre a população-alvo (impactos observados) em relação aos objetivos pretendidos (impactos esperados), traduzidos pelos objetivos finalísticos da intervenção. Ou seja, busca-se verificar a ocorrência de mudanças na população-alvo que se poderiam razoavelmente atribuir às ações do programa avaliado.

recursos emprestados, taxa de juros, prazo dos empréstimos, empregos e massa salarial..

Foram selecionadas empresas que receberam recursos (grupo de tratamento) e empresas que não receberam recursos (grupo de controle). Para a mensuração do impacto foi usada a técnica de Diferença em Diferenças, que compara os dois grupos antes e depois da implementação dos programas.

As empresas foram separadas em três conjuntos de setores econômicos, de acordo com o impacto da pandemia no nível de empregos: setores de maior crescimento no emprego; setores intermediários; e setores com queda no emprego em virtude das maiores restrições de funcionamento.

Além da avaliação de impacto, foram analisados documentos técnicos de organismos internacionais para identificar características recomendadas para o bom desempenho de programas de garantia de crédito.

O QUE O TCU ENCONTROU

A comparação entre o grupo de tratamento e o grupo de controle demonstra que os programas resultaram no aumento dos níveis de emprego, com a criação de mais de 180 mil empregos nas micro, pequenas e médias empresas participantes. O impacto foi maior nos setores que apresentaram melhor desempenho durante a pandemia.

Evolução do número de empregados nos grupos de controle e tratamento de acordo com os setores impactados pela pandemia

Quadro com a evolução do número de empregados nos grupos de controle e tratamento de acordo com os setores impactados pela pandemia.
Fonte: Equipe de auditoria a partir de dados da Rais e do Caged.

Por seu turno, a massa salarial adicional decorrente dos programas foi de R$ 4,7 bilhões, frente aos R$ 61 bilhões2 alocados nos programas (considerando a amostra selecionada). Assim, para cada R$ 1,00 de massa salarial adicional, foram alocados no orçamento R$ 13,20.

Os programas também geraram efeitos positivos para as empresas em termos de maior acesso ao crédito. Enquanto a carteira ativa do grupo de controle cresceu 30% a partir de maio de 2020, no grupo de tratamento o crescimento foi de 73%.

As taxas de juros também reduziram em maior proporção para o grupo de tratamento. Neste grupo, os encargos médios mensais reduziram de 1,20% para 0,68%, enquanto no grupo de controle a redução foi de 1,04% para 0,88%.

Evolução do valor total da carteira ativa por grupo e por tipo de setor econômico

Quadro com a evolução do valor total da carteira ativa por grupo e por tipo de setor econômico.
Fonte: Equipe de auditoria a partir de dados do SCR.

Os efeitos positivos dos programas, contudo, devem ser ponderados com elevado volume de recursos orçamentários alocados, da ordem de R$ 61 bilhões.

Esse montante não equivale ao custo efetivo para a União, visto que esses recursos deverão retornar ao Tesouro após o pagamento dos empréstimos pelas empresas beneficiadas. No entanto, há risco fiscal para a União associado à inadimplência, que não foi analisado neste trabalho em virtude do estágio de execução da política pública.

2 Neste montante, desconsiderou-se o valor alocado no Fampe-Sebrae, por não se referir a recurso do Orçamento Geral da União.

Fatores que podem contribuir para aperfeiçoamento dos programas de garantia de crédito

Os principais objetivos dos programas de garantia de crédito são o alcance, a adicionalidade financeira e a adicionalidade econômica3.

O alcance corresponde à quantidade de empresas que o programa consegue atender. Já a adicionalidade financeira pode ser dividida em extensiva e intensiva. A primeira corresponde ao volume de crédito que as empresas tiveram acesso e a segunda envolve a melhora das condições do crédito, como redução das taxas de juros e aumento no prazo de vencimento. A adicionalidade econômica verifica se os programas geraram benefícios para a economia, como empregos, investimento, exportações etc. O Banco Mundial considera uma quarta dimensão, de sustentabilidade financeira, que é a capacidade do programa de conter perdas. Assim, em sistemas de garantia de crédito, a concessão de garantia “deve refletir adequadamente um equilíbrio entre alcance, adicionalidade e sustentabilidade financeira, levando em consideração o nível de desenvolvimento do setor financeiro do país”.

3 Segundo documento produzido pela Associação Latino-Americana de Instituições Financeiras para o Desenvolvimento, a Associação Europeia de Instituições de Garantia de Crédito e a Rede Ibero-Americana de Garantia.

Equilíbrios entre as dimensões de avaliação dos programas de garantia

Quadro com os equilíbrios entre as dimensões de avaliação dos programas de garantia
Fonte: ALIDE, AECM E REGAR (2018, p.29).

Considerando a literatura internacional especializada, indicaram-se as seguintes boas práticas para orientar os programas de garantia de crédito:

  • Definir uma estratégia de concessão das garantias – entre individual ou de portfólio4 – de acordo com os objetivos em termos de alcance, adicionalidade e sustentabilidade financeira, de preferência combinando as duas abordagens, a partir de características do público-alvo estabelecido, do valor da operação de crédito ou do contexto do mercado de crédito;
  • Evitar cobrir 100% das operações de crédito, de forma a compartilhar o risco com os agentes financeiros e criar incentivos para que estes realizem uma boa análise dos credores e evitem a concessão de crédito para empresas com elevado risco de inadimplência;
  • Implementar medidas complementares à garantia de crédito, como qualificação e fomento à digitalização, à inovação e ao acesso a novos mercados, para potencializar os efeitos do maior acesso ao crédito;
  • Focar em empresas viáveis, que não têm acesso a crédito em virtude da falta de garantia, mas cujo modelo de negócio e projetos sejam capazes de gerar resultados positivos.
4 Na estratégia individual, as garantias são concedidas para cada empréstimo separadamente e as empresas se relacionam diretamente com os sistemas de garantia. Já na estratégia de portfólio, as instituições financeiras são autorizadas a adicionar as garantias a empréstimos sem prévia autorização do sistema de garantia, mas dentro de categorias definidas previamente em contrato entre o sistema de garantia e as instituições financeiras. Nos programas avaliados, o Brasil adotou a estratégia de portfólio, que era a mais adequada para agilizar a concessão de crédito e para garantir maior alcance. Porém, uma das desvantagens da estratégia de portfólio é sua menor adicionalidade financeira (BANCO MUNIDAL, 2015, p.19), pois uma maior proporção das garantias é concedida a empresas que já teriam acesso ao crédito sem o suporte público.

PRÓXIMOS PASSOS

As conclusões do trabalho serão encaminhadas à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização do Congresso Nacional (CMO), bem como aos órgãos e entidades responsáveis pela supervisão e operacionalização dos programas5, como subsídios para o aperfeiçoamento dos programas de garantia de crédito permanentes, como o Pronampe6, e para a melhor definição do desenho do recém criado Sistema Nacional de Garantia de Crédito7.

DADOS DA DELIBERAÇÃO

Acórdão(s):

2.289/2021-TCU-Plenário

Data da sessão:

22/9/2021

Relator:

Ministro-substituto André Luis de Carvalho

Processo(s):

TC 038.168/2021-9

Unidade técnica responsável:

Secretaria de Controle Externo do Desenvolvimento Econômico

5 Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade do Ministério da Economia (SEPEC/ME), Banco do Brasil, Banco Central, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
6 Lei 14.161/2021.
7 Decreto 10.780/2021.
Top