ACOMPANHAMENTO DO NOVO MARCO LEGAL DO SANEAMENTO BÁSICO
Contextualização
A legislação que estabelece as diretrizes para o saneamento básico (Lei 11.445/2007) busca observar, entre outras diretrizes, priorizar ações que promovam a equidade social e territorial no acesso ao saneamento básico, a aplicação dos recursos financeiros por ela administrados de modo a promover o desenvolvimento sustentável, a eficiência e a eficácia, e a melhoria da qualidade de vida e das condições ambientais e de saúde pública.
O setor de infraestrutura de saneamento básico no país encontra-se com grande déficit de atendimento frente às demandas da população. A dimensão do problema pode ser vislumbrada a partir de alguns dados extraídos do Painel de Informações sobre Saneamento mantido pelo Ministério do Desenvolvimento Regional - MDR (http://snis.gov.br/painel-informacoes-saneamento-brasil/web/) e do Painel Saneamento Brasil (https://www.painelsaneamento.org.br/), disponibilizado pelo Instituto Trata Brasil - ITB: a) no ano de 2020, 15,9% da população brasileira se encontrava sem acesso a água tratada; b) no que se refere especificamente à população urbana, o percentual de habitantes sem água tratada era de 6,6% em 2020, sendo que na região Norte esse percentual era de 27,9%; c) em 2020, mais de 97 milhões de brasileiros não tinham atendimento total de esgoto, o que representa 45% de nossa população; d) em 2020, o índice nacional de esgoto tratado em relação à água consumida foi de 50,7%; e) do tratamento dos dados disponíveis, pode-se concluir que, anualmente, o Brasil despeja o equivalente a mais de 4,6 milhões de piscinas olímpicas de água consumida e não tratada.
Os dados atuais dificultam a melhoria dos índices de desenvolvimento humano (IDH) e trazem sérios prejuízos sociais e econômicos a diversos setores produtivos, com impacto no desenvolvimento da nação.
Estruturação da governança e gestão
O saneamento básico é tratado na Constituição Federal (CF) como de competência comum de todos os entes da federação (art. 23, IX), contudo, a titularidade da prestação dos serviços e da regulação recai sobre os municípios (art. 30, V) por se tratar de um serviço de interesse local, podendo haver partilha da competência com os estados no caso de regiões metropolitanas. A competência da União é direcionada à instituição de diretrizes, conforme o art. 21, inciso XX, da CF.
A Lei 14.026/2020, conhecida como Novo Marco Legal do Saneamento Básico (NMLSB), instituiu o Comitê Interministerial de Saneamento Básico (Cisb), entidade que, sob a presidência do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), tem por finalidade assegurar a implementação da política federal de saneamento básico e articular a atuação dos órgãos e entidades federais na alocação de recursos financeiros em ações de saneamento básico.
O Cisb representa uma importante instância de governança no processo de implementação do novo marco, uma vez que agrega as funções de coordenação, integração, articulação e avaliação da gestão do Plano Nacional de Saneamento Básico, em âmbito federal, e de acompanhamento do processo de articulação e das medidas que visem destinar recursos para tal finalidade.
A constatada inoperância do comitê se mostra como risco aos objetivos do novo marco, não havendo em seu âmbito discussões com os múltiplos agentes atuantes no setor de saneamento, que são fundamentais para a integração da política federal de saneamento básico com outras políticas, e para a adequada estruturação da política de aplicação de recursos.
O QUE O TCU FISCALIZOU
Em 2020, o setor de saneamento básico passou por importante transformação legislativa com a publicação da Lei 14.026/2020, que determinou mudanças para a regulação, a concorrência e a estruturação da prestação dos serviços de saneamento.
O acompanhamento do TCU, de relatoria do ministro Jorge Oliveira, avaliou, até 31/3/2022, os processos de elaboração das normas de referência para regulação dos serviços de saneamento básico, de responsabilidade da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), bem como as atividades desenvolvidas pelo então Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), atual Ministério das Cidades, e pelo Comitê Interministerial de Saneamento Básico na implementação do novo marco legal.
Normas de referência não existiam no ambiente jurídico brasileiro. Porém, deverão ser adotadas pelos órgãos reguladores estaduais e municipais e, conse- quentemente, por seus prestadores de serviços de saneamento regulados, para acessar recursos financeiros administrados ou geridos por órgãos e entidades da administração pública federal.
O Ministério das Cidades tem função central na atuação do poder Executivo Federal, pois é responsável pela elaboração de decretos e normativos, pelo planejamento federal e pelo apoio técnico e financeiro aos estados e aos municípios. Assim, nesta fiscalização, foi analisado o apoio do Ministério das Cidades à definição das regionalizações para prestação dos serviços de saneamento.
O Comitê Interministerial de Saneamento Básico é o responsável por fomentar a interlocução de diversas pastas relacionadas ao saneamento, como Desenvolvimento Regional, Casa Civil, Saúde, Economia, Meio Ambiente e Turismo. Também detém funções de coordenação, integração, articulação, avaliação e orientação quanto à política federal e à aplicação dos recursos.
O QUE O TCU ENCONTROU
O quadro seguinte resume as avaliações do acompanhamento acerca da atuação da ANA:
O que foi analisado? | O que foi encontrado? |
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Estruturação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico para elaborar as normas de referência | Há planejamento para capacitação, estabelecimento de parceria para contratação de estudos, para apoio técnico externo e levantamento de estimativas de necessidades de pessoal. Todavia, o quantitativo de pessoal requerido não foi atingido. |
Execução das atividades da Agêcnia Nacional de Águas e Saneamento Básico diante dos prazos previstos | A primeira agenda regulatória divulgada pela Agência foi descumprida. Há risco relevante de descumprimento dos prazos da agenda vigente. Das quatro normas previstas para o primeiro semestre de 2022, apenas uma teve sua consulta pública concluída, enquanto nenhuma das cinco normas previstas para o segundo semestre havia alcançado a fase de tomada de subsídios pública. |
Processos de análise de impacto regulatório e consulta pública | No que se refere às normas já expedidas ou em fase final de elaboração, constatou-se que os procedimentos empregados e os produtos gerados foram aderentes às normas aplicáveis, bem como houve, em algum grau, efetividade na interlocução com a sociedade e os atores relevantes. |
Transparência e previsibilidade dos atos da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico | Além do cronograma da agenda com alto risco de descumprimento, a publicidade, quanto às fases de elaboração das normas, ocorre apenas nas tomadas públicas de subsídio e consulta pública. Esse lapso de informações não propicia um acompanhamento tempestivo pelos atores envolvidos, podendo gerar frustração de expectativas. Há intenção da Agêcnia em publicar painel com maior volume e tempestividade de informações. |
Verificação da adesão às normas de referência | Até o momento, não é realizada a verificação. Porém, há previsão que de que a norma de procedimentos transitórios de monitoramento seja publicada no segundo semestre de 2023. |
O quadro seguinte resume as avaliações do acompanhamento acerca da atuação do Ministério do Desenvolvimento Regional (atual Ministerio das Cidades) e do Comitê Interministerial de Saneametno Básico.
O que foi analisado? | O que foi encontrado? |
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Apoio do Ministério do Desenvolvimento Regional à implementação do novo marco | O Ministério realizou interlocução e promoveu eventos junto aos estados e aos municípios. Além disso, participou da elaboração dos decretos regulamentadores que, embora com atraso, foram publicados. O apoio à definição das regionalizações visa estruturar as definições e propor a seleção dos municípios a serem agregados por lei estadual, não havendo pretensão federal de estipular blocos de referência. Há disponibilidade de apoio para sete estados, mas apenas dois contêm trabalhos em efetivo andamento, com previsão de entrega dos produtos finais em agosto de 2022. |
Atuação do Comitê Interministerial de Saneamento Básico na implementação do novo marco | O comitê realizou apenas uma reunião desde sua criação, na qual aprovou seu regimento interno. Em fevereiro de 2022, foi nomeado o diretor do Departamento de Cooperação Técnica com atribuição de dar suporte aos trabalhos do Comitê. A inatividade do órgão, além de impossibilitar os alcances de seu objetivo, descumpriu a previsão de publicação do relatório anual de monitoramento e de avaliação da alocação de recursos da política federal desaneamento básico. |
Divulgação e transparência da atuação do Poder Executivo Federal | O Ministério do Desenvolvimento Regional dá publicidade à sua atuação em eventos e diálogos públicos próprios e de outros entes, nos quais é frequente a participação de seus representantes. Quanto às atividades de apoio a ser prestado ou aos produtos a serem elaborados pelo Comitê Interministerial de Saneamento Básico, há poucas informações pelo baixo nível de atuação nesse sentido. |
O que precisa ser feito
O TCU deu ciência ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que é presidente do Comitê Interministerial de Saneamento Básico, de que a inoperância do Comitê pode comprometer a implementação do Novo Marco Legal do Saneamento Básico, inclusive no que concerne à efetividade da alocação dos recursos federais e da interlocução com outras políticas.
Além disso, foi recomendado à Secretaria Nacional de Saneamento que promova esforços para fornecer o apoio institucional e técnico-administrativo, de forma a subsidiar a efetiva atuação do Comitê.
Por fim, foi informado ao Ministério da Economia a necessidade de avaliar a conveniência e a oportunidade de apoiar a estruturação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, tendo em vista a sua competência de promover a lotação ou o exercício de servidores federais na autarquia, conforme a Lei 14.026/2020.
Quais os próximos passos
O acompanhamento teve sua primeira rodada realizada entre 2021 e 2022 e apresentou um painel de referência aberto ao público para discussão dos resultados alcançados (disponível no YouTube do TCU). O relatório resultante do acompanhamento foi apreciado pelo Plenário em 26/10/2022, quando foi determinada sua continuidade. Nova rodada será realizada em 2023.
Dados técnicos
Relator | TC | Unidade Responsável | Acórdão |
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Ministro Jorge Oliveira | 025.604/2021-0 | AudUrbana/ SecexInfra |
2.392/2022-TCU-Plenário Sessão de 26/10/2022 |